Audiência pública debate demolição das casas da Vila Vicentina

09/12/16 18:58

"Há 21 anos eu moro na Vila Vicentina e há 21 anos nós vivemos com a espada sobre a cabeça. Dessa vez eles vieram com gosto de gás – se aliaram a uma construtora, estão fazendo terrorismo todo dia, dizendo que a gente precisava sair. Pelo medo, algumas pessoas acabaram cedendo. Ofereceram 50 mil reais ou um apartamento em Maracanaú, pras famílias que saíssem. Eu não tenho nada contra Maracanaú, mas quem é que quer - morando em um lugar há 60 anos, com laços, vínculos, uma vida ali - ir pra Maracanaú?

A gente tinha um altarzinho, de São Vicente. Até isso eles tiraram, pra descaracterizar a Vila. Até tentar fechar um muro ao redor da capela, pra alugar como estacionamento pra UniOdonto eles fizeram, há uns anos atrás. Não lembram nunca que nós moradores estamos ali. É como se nós fossemos pó", denunciou a representante dos moradores da Vila Vicentina, Fátima F. de Sousa, durante a audiência pública realizada hoje (09/12), com o objetivo de discutir as remoções da comunidade da Vila Vicentina, localizada no bairro Dionísio Torres.

A audiência pública, realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Fortaleza, aconteceu na Assembleia Legislativa e contou, além da representante dos moradores da Vila, com a presença do vereador João Alfredo, do vereador Guilherme Sampaio, de Luiza Perdigão, do Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor), do professor Romeu Duarte, autor de pedido de tombamento da Vila Vicentina, de Renato Pequeno, do Laboratório de Estudos em Habitação da Universidade Federal do Ceará (Lehab/UFC),de Mayara Justa, do escritório de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar, do Dr. Roberto Figueiredo, 1º secretário do Conselho Central de Fortaleza e da Sociedade São Vicente de Paulo, de Lanna Escório, advogada do Escritório Rocha & Amaral Empreendimentos, de Cíntia Grazielle Farias, do Conselho Estadual do Idoso, de Dr. Alexandre Alcântara, Promotor de Justiça, de Dra. Marília Uchôa, também Promotora de Justiça e de Dr. Fontelles, Defensor Público. A presidência foi do deputado estadual Renato Roseno.

A Vila Vicentina foi doada por Dionísio Torres, em 1938, para a Sociedade São Vicente de Paulo, que outrora tinha por objetivo auxiliar viúvas fragilizadas por sua condição, o que explica, em parte, o perfil de seus moradores. A Vila é uma Zona de Interesse Especial (ZEIS) do tipo 1, ou seja, onde a maior parte da população tem baixa renda (até três salários mínimos). Por ser uma área de ZEIS, a área da Vila Vicentina deveria estar resguardada ao seu objetivo prioritário: o interesse social, não a especulação imobiliária ou o interesse privado.

“Nós estamos falando na ponta do iceberg, porque existe muita coisa por trás disso. Através das ZEIS se promove uma democracia participativa; é um instrumento que prioriza quais áreas da cidade deveriam ser regulamentadas e combate a especulação imobiliária, que é o que a gente está vendo aqui. O caso da Vila Vicentina é claramente um caso de especulação imobiliária”, defendeu Renato Pequeno, do Lehab.

No dia 28 de outubro de 2016, os moradores foram surpreendidos com um Oficial de Justiça acompanhado da Polícia Militar, para o cumprimento de ordem de reintegração de posse de 12 casas da Vila. Não deixaram nenhuma telha das casa que foram demolidas naquele dia. “Quem está por trás da sociedade São Vicente de Paulo? Quem é que paga esse dinheiro de ajuda de custo, em uma sociedade que supostamente está em crise financeira? Quem tem tanto poder a ponto de ameaçar e assediar os moradores dessa maneira? Quem consegue, uma semana depois das demolições, mandar o Choque pra ameaçar os moradores? Tem alguém muito forte por trás disso”, questionou a integrante do Lehab,Valéria Pinheiro.

Roberto Figueiredo, da Sociedade São Vicente, afirmou que a venda do imóvel é a única maneira de manter a organização no Ceará, já que esta passa por dificuldades financeiras a muitos anos. “A venda desse terreno é por causa das dificuldades financeiras que a Sociedade São Vicente de Paulo está passando. Vocês fiquem sabendo que nós estamos rachados. Nós chegamos à conclusão de que ou acabávamos a Sociedade São Vicente de Paulo no Ceará, ou íamos ao mercado imobiliário, e esse imóvel é o único que tem valor de mercado”, afirmou.

Denúncias apontam que a Sociedade São Vicente de Paulo estaria pressionando os moradores à saírem de suas casas para que possa realizar a venda do terreno, por meio do escritório Rocha & Amaral Empreendimentos. Lanna Escócia, representante do escritório Rocha & Amaral, afirmou que as “ajudas de custo” oferecidas para que as famílias saíssem de suas casas seriam pagas pela construtora interessada no terreno, mas tanto ela quanto Roberto negaram saber qual é essa construtora.

“Na verdade essa Sociedade é uma testa de ferro. Porque uma Sociedade que intermedeia acordos de 50 mil reais por família e reclama do valor dos alugueis é isso: uma testa de ferro. Isso é uma completa subversão do que deveria ser uma Sociedade Vicentina! Uma Sociedade filantrópica não tem dinheiro para indenizar em 50 mil reais. Não tem! Por sorte tem gente que resiste. Por sorte tem gente que não tem preço!”, disse o vereador João Alfredo. Ofícios serão encaminhados ao Ministério Público Estadual (MPE), sobre apurações criminais das diversas denúncias feitas na audiência; à Defensoria Pública do Estado (DPE), para que adote as medidas judiciais cabíveis, no sentido de reconstruir a estrutura demolida das casas na Vila Vicentina, para garantir a segurança dos moradores, bem como acompanhar as ações judiciais já existentes; ao Iplanfor, requerendo a regulamentação da ZEIS do Dionísio Torres; e aos órgãos da Prefeitura Municipal de Fortaleza sobre a vedação a demolição das casas.

Áreas de atuação: