Audiência Pública para debater sistema socioeducativo cearense reúne instituições internacionais, Poder Executivo e sociedade civil

28/10/16 11:59

“No Ceará, durante dois anos, as condições no sistema impulsionam os adolescentes a mudar... Para pior. O sistema não dá oportunidade desses adolescentes mudarem suas vidas. Não há aulas, atividades... As condições em que os adolescentes do Ceará estão, em algumas unidades, são mais restritivas do que as em que estão adultos no Complexo de Pedrinhas, no Maranhão, e no do Curado, em Pernambuco”, afirmou, na tarde de ontem (27), César Muñoz, pesquisador sênior para o Brasil na Divisão das Américas da organização Internacional Human Rights Watch.

O jornalista esteve em Fortaleza a convite do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca), para audiência pública sobre o sistema socioeducativo cearense, requerida pelo mandato É Tempo de Resistência, por uma motivação das entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente, e realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, no Ministério Público do Ceará.

Há muitos anos o colapso nos centros de privação de liberdade cearenses é denunciado por entidades de direitos humanos nacionais e internacionais, que apontam a completa falta de estrutura das unidades, a superlotação, além de intervenções violentas da Polícia Militar e a ausência e omissão do Governo do Estado. “Desde 2008 falamos sobre uma série de problemas nos centros: a superlotação, a questão da educação e inclusive a violência física e psicológica. Na ocasião, quando encaminhamos para o então secretário o relatório, ouvimos que estávamos exagerando, que não havia violência. Isso se repetiu em 2011, quando fui chamada para explicar o que entendíamos como tortura, para dizer que, por tortura, entendia... Tortura.”, declarou Mara Carneiro, integrante do Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA Ceará).

Nos últimos dez anos, apesar da negativa dos gestores em vários aspectos, de diversas denúncias engavetadas, algumas mudanças ocorreram. Uma delas foi a criação da Superintendência do sistema socioeducativo – o mandato É Tempo de Resistência, em parceria com organizações da sociedade civil, aprovou, à proposta de criação da Superintendência, dez emendas com o objetivo de ampliar o controle, monitoramento, a transparência e a participação do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA) na necessária reestruturação no atendimento e no modelo de gestão do sistema socioeducativo.

A criação da Superintendência, no entanto, não pôs fim a grave crise que enfrentam os centros socioeducativos no Ceará. Só em 2016, por exemplo, mais de 400 adolescentes fugiram de unidades de privação de liberdade; as aulas e atividades, nas unidades, são irregulares e em muitas delas inexistentes, como é o caso do Patativa do Assaré – o centro foi escolhido pela Superintendência para dar início aos trabalhos de reestruturação das unidades de internação, porém, mais de um mês após a entrada na Superintendência no Patativa, não há sequer aulas.

A Superintendência foi convidada à audiência, mas não compareceu. Representando o Poder Executivo, estiveram na audiência o Tenente Coronel Clauber Wagner Vieira de Paula, da Controladoria do Sistema Socioeducativo e Demitri Cruz, da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas dos Direitos Humanos do Estado do Ceará. “Nós vamos para mais uma discussão em que vemos as coisas sendo postas, infelizmente, sem muitos avanços. Nós lamentamos muito isso. Apesar de ser do Executivo, nós não podemos negar a realidade”, disse o Tenente Coronel.

“O sentido da responsabilização é diminuir a violência – e você só faz isso oferecendo outra oportunidade de vida. Por que a nossa oferta é a que reproduz o etiquetamento? O adolescente entra no sistema e pode até sair, mas o sistema não vai sair dele. Quando o sistema socioeducativo foi criado, foi pra não reproduzir as mazelas do sistema penal, mas hoje ele reproduz!”, falou o deputado estadual Renato Roseno.

“Eu queria que essa audiência pudesse debater de que maneira a gente pode responsabilizar o Estado. Porque eu acho que é disso que a gente deveria falar. Há uma violência de estado sendo cometida diariamente e precisamos dar conta disso!”, defendeu ainda o Conselheiro Manuel Torquato, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, pela Articulação “Criança não é de rua”.

  • SAIBA MAIS:

SOBRE A AUDIÊNCIA:

Estiveram presentes na mesa de discussões da audiência o deputado estadual Renato Roseno, requerente da audiência; a Dra. Antonia Lima, do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude – CAOPIJ; Hugo Mendonça, também do CAOPIJ; Demitri Cruz, da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas dos Direitos Humanos do Estado do Ceará; Dra. Helena Martins, representante do coletivo Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos; o Ten. Cel. Clauber Wagner Vieira de Paula, da Controladoria do Sistema Socioeducativo; Marileide Luz, do Conselho Estadual de Direitos Humanos; César Muñoz, Pesquisador Sênior para o Brasil na Divião das Américas de Human Rights Watch; Paulo Roberto Mariano Pires, do Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura; José Walter, do Núcleo de Atendimento Especializado aos Adolescentes em Conflito com a Lei – Nuaja; Conselheiro Manuel Torquato, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente pela articulação “Criança não é de rua”; Nadja Bortotti, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e Mara Carneiro, do Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA Ceará).

Além dos integrantes da mesa, estiveram presentes profissionais da sistema socioeducativo, familiares de internos e ex-internos, professores universitários que debatem e pesquisam o tema e adolescentes da Associação Pequeno Nazareno.

SOBRE A SUPERINTENDÊNCIA:

Conheça as emendas ao projeto que criou a Superintendência, aprovadas pelo mandato É Tempo de Resistência e construídas em parceria com a sociedade civil: http://www.renatoroseno.com.br/noticias/pl-socio

SOBRE AS AÇÕES DO MANDATO É TEMPO DE RESISTÊNCIA NO TEMA DO SOCIOEDUCATIVO:

17 de março de 2015 - Realização de audiência pública, proposta pelo deputado para tratar sobre as violações de direitos humanos e problemas no Sistema Socioeducativo do Ceará. O deputado reuniu as assinaturas necessárias para constituir a Comissão Especial sobre o Sistema Socioeducativo no Estado do Ceará e protocolou o requerimento no dia 8 de julho.

14 de setembro de 2015 - O mandato do deputado estadual Renato Roseno (PSOL) promoveu uma conversa na internet sobre a crise no Sistema Socioeducativo do Ceará. "Diálogos em Rede" são uma iniciativa do mandato para discutir no espaço virtual a política real. O bate-papo foi online e contou com a presença do advogado Acássio Pereira de Souza, assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente - Cedeca-Ceará.

15 de setembro de 2015 - Parlamentares, entre eles o deputado estadual Renato Roseno, e organizações de defesa dos direitos das crianças e adolescentes estiveram em Brasília para apresentar as denúncias sobre a situação de caos nos centros de internação do Ceará, os casos de tortura em adolescentes sob privação de liberdade e a omissão do Governo do Estado.

21 de outubro de 2015 - Renato Roseno pressiona governador Camilo Santana por decretação de estado de emergência no Sistema Socioeducativo do Ceará. O Conselho Nacional de Direitos Humanos determinou visita às unidades de internação no Ceará, para analisar as denúncias e conhecer de perto as condições dessas unidades. Novembro

4 de novembro de 2015 - Conselho Nacional de Direitos Humanos visitou unidades de internação no Ceará, para analisar as denúncias e conhecer de perto as condições dessas unidades. No mesmo dia, nova audiência pública para debater a situação caótica do Sistema Socioeducativo foi realizada na Assembleia Legislativa do Ceará, uma iniciativa conjunta do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca) e do mandato É Tempo de Resistência.

Áreas de atuação: Adolescência