Entidades de defesa dos direitos humanos pedem suspensão de despejos no Ceará

13/05/20 12:43

Na última segunda-feira (11), em ofício enviado ao presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, desembargador Washington Luis Bezerra de Araújo, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Assembleia Legislativa e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH) pedem a suspensão de todas decisões de reintegração ou imissão na posse no estado até dezembro de 2020. O documento é assinado pelo deputado estadual Renato Roseno (PSOL), presidente da CDHC; e por Cristiane Faustino, presidenta do CEDDH. Um pedido similar já havia sido feito ao TJ pelo Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar.

De acordo com o pedido, ficariam suspenso o cumprimento de qualquer decisão de reintegração ou imissão na posse, seja de caráter provisório ou definitivo, expedidas em qualquer tipo de processo, sobretudo naqueles que envolverem posse em litígio coletivo contra comunidades urbanas, rurais e tradicionais, que redundem na desocupação de imóveis utilizados para fins de moradia e subsistência de pessoas de baixa renda.

"Sugerimos que a adoção das medidas listadas perdure até o mês de Dezembro de 2020 ou por tempo indeterminado, até que sejam declarados controlados os riscos de contágio em massa e serem afastadas as situações de hipervulnerabilidade socioeconômica gestadas pela crise instalada pela pandemia", afirmam os autores do ofício.

DILIGÊNCIAS - Além da suspensão das decisões, o ofício pede o adiamento do cumprimento de diligências que exijam o contato humano direto com comunidades de baixa renda, como a presença de oficiais de justiça, peritos, e demais integrantes do corpo técnico judiciário. "O uso de força policial, no contexto das ações possessórias, também deve ser suprimido, caso coloque em risco a segurança habitacional de populações socialmente vulneráveis", defendem Renato e Cristiane.

O documento solicita também a suspensão de medidas extrajudiciais, como a autotutela, admitida em lei no caso da alienação fiduciária e a denúncia vazia das locações, amplamente praticada no caso de locação ou comodato ajustado verbalmente, "tendo em vista que existem incontáveis imóveis em favelas e periferias urbanas que se encontram sujeitos a essas medidas". Por fim, pede que não sejam realizados os desalojamentos praticados pelo Estado que se valem da auto executoriedade das decisões administrativas, que tem sido objeto de diversos questionamentos judiciais quando o bem jurídico ameaçado é a moradia.

CNJ e STF - No último dia 17 de março, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal fez um pedido semelhante ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A solicitação ao CNJ foi ratificada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e também está entre as disposições de uma recomendação conjunta da Rede Nacional de Conselhos de Direitos Humanos. O ministro Dias Toffoli, presidente do CNJ, indicou que remeteria a comunicação da CDHM a todos os tribunais do país, para deliberação dos juízos.

De acordo com Renato e Cristiane, o cumprimento de mandados de reintegração de posse, especialmente os referentes a causas coletivas, pode impedir, na prática, a adoção das medidas expedidas pelo Ministério da Saúde e pela OMS para reduzir a velocidade de contágio. Isso porque expõe tanto servidores públicos (policiais militares, oficiais de justiça, etc) quanto os particulares às aglomerações, que podem difundir o contágio do COVID-19.

"No caso das reintegrações de posse, as famílias desalojadas terão que se abrigar em casas de familiares ou conhecidos e, na pior hipótese, ficarão desabrigadas, contribuindo para o aumento do contato social que deve ser evitado segundo as recomendações da OMS e agravando o cenário de vulnerabilidade da população brasileira", alertam os autores do ofício. "Ademais, em especial nas zonas urbanas, muitas dessas famílias tem sua parca renda proveniente de serviços informais, os quais estão seriamente comprometidos nesse período, o que reforça o ônus de pagamento de aluguel como fator gerador do déficit habitacional".

No último dia 6, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela suspensão nacional dos processos que tratam da reintegração de posse de áreas indígenas. Conforme noticiado pela Corte Suprema, a decisão do ministro Edson Fachin pautou-se pelo princípio constitucional da precaução, que exige do Poder Público que atue para reduzir os riscos socioambientais, em defesa da manutenção da vida e da saúde. "A manutenção da tramitação de processos, com o risco de determinações de reintegrações de posse, agravaria a situação dos indígenas, que poderiam se ver, repentinamente, aglomerados em beiras de rodovias, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus", destacam os presidentes da CDHC e do CEDDH. (Texto: Felipe Araújo / Foto: ASCOM-AL)