Ceiça Pitaguary: o momento exige que as mulheres "façam tremer esse país"

08/03/21 20:00

Ceiça Pitaguary é uma voz corajosa e destemida do movimento indígena no Ceará. Ela é exemplo e modelo para um povo que encara um percurso árduo de reconhecimento e cuja existência é fruto de muita resistência e luta. Em um país marcado pela diversidade cultural e étnica, não se pode falar em antirracismo sem falar da luta dos povos tradicionais, das populações que enfrentam, até hoje, diferentes formas de preconceitos e perseguições étnicas. E Ceiça é liderança ativa na manutenção dessa luta, uma agente importante para conservação das tradições indígenas em nosso estado.

Ela é nossa segunda entrevistada dentro da série produzida em alusão ao 8 de março. Ao longo da semana, estamos publicando entrevistas com mulheres cearenses símbolos de resistência e de luta. Nessa conversa, Ceiça defende a luta indígena como parte da luta coletiva em defesa de diversos direitos e diz que o momento exige que as mulheres mostrem todo o seu poder de organização e "façam tremer esse País". "O governo Bolsonaro só destila ódio e morte", afirma. (Texto e arte: Evelyn Barreto)

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você percebeu que suas ações estavam inseridas na militância? CEIÇA - Nunca me percebi como militante de uma única causa. Na verdade, nós lideranças indígenas somos formadas para militar em todas as áreas, desde a luta pela Terra, passando por saúde, educação e, por que não, direitos das mulheres indígenas. As pessoas têm uma imagem que a luta das mulheres indígenas é uma ação dissociada da luta coletiva. Mas não é bem assim, primeiro nós somos chamadas a defender a mãe Terra, e junto nós vamos trazendo outras mulheres a se somarem e nos ajudarem, quando percebemos estamos fazendo uma luta de maior espaço e visibilidade das mulheres indígenas. Eu comecei assim, ocupando os pequenos espaços das reuniões comunitárias da aldeia, logo fui escolhida para encabeçar a luta pela educação diferenciada do meu povo. E na medida em que as demandas foram aparecendo, fui me empenhando, ao ponto de chegar a representar o Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) lá pelo ano de 2007. Hoje, estou no segundo mandato da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (FEPOINCE) e acredito que sirva de exemplo, estou encorajando muitas jovens a também se unirem em torno de uma luta coletiva.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Que fatores são mais importantes para a defesa de uma luta? CEIÇA - Sempre temos que ter um foco. No nosso caso, a luta pela terra e todo o significado nela envolvido se configura como um dos fatores mais importantes e nos impulsiona a ter força e não desanimar. É uma luta desigual, porque brigamos contra o estado e os posseiros. E essas brigas nem sempre são vitoriosas, por isso temos que ter a certeza do que somos e o que queremos, para não sermos desencorajadas e tentadas a desistir.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Enfrentamos um ano de pandemia, de negação de direitos e de um governo que se retroalimenta do cenário de calamidade. Nesse contexto, o que precisamos destacar no 8M deste ano e de outros que estão por vir? CEIÇA - Que as mulheres já mostraram a sua força e organização com o movimento ELE NÃO. Agora, precisamos unificar o que nos aproxima, deixar as diferenças um pouquinho de lado. As mulheres têm um poder inimaginável, precisamos apenas focar no que é mais importante, e isso é a luta pela vida. Nossos parentes estão morrendo por conta da omissão de um governo que só destila ódio e morte. Nesse momento a luta é contra o vírus e contra Bolsonaro.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você avalia a participação de mulheres em movimentos de defesa de direitos e garantias? CEIÇA - Acredito que muitas conquistas foram essenciais, como o direito de votar. Mas é preciso que nos escutemos mais. Devemos chegar mais próximas à base, pra saber o que realmente as mulheres estão sofrendo e passando. O discurso só no topo da cadeia não vai aglutinar e nem formar novas militantes. Não adianta eu ter o discurso bonito, e não perceber que tenho na base das comunidades mulheres que acordam 5 horas da manhã para ir trabalhar e não tem com quem deixar seus filhos.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - E para as que não estão inseridas, como convidá-las a participar desses movimentos? CEIÇA - Precisamos acordá-las, o momento exige que as mulheres mostrem todo o seu poder de organização e faça tremer esse País. Somos a maioria da população no Brasil; é preciso ocupar o parlamento, o judiciário, as chefias em geral. Não se pode viver num Brasil tão desigual!

Áreas de atuação: Mulheres