Sem memória, não há justiça e como disse o Papa Francisco: “Sem justiça, não há paz”. É por isso que o tema da memória, verdade e justiça, sobretudo em lembrança aos crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura civil-militar (1964-1985), deve ser cotidiano no nosso país. Assim, na próxima sexta-feira (24), a partir das 15h, o Anexo III da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) vai receber Frei Xavier, frade dominicano que foi amigo de Frei Tito, mártir cearense, durante o seu exílio na França.
O evento, denominado “Diálogo sobre Memória, Verdade, Justiça e Reparação. Resistir à opressão: um testemunho de Frei Xavier sobre Frei Tito”, será aberto ao público e contará, em especial, com a participação da família do frade cearense, morto em decorrência da violência sofrida durante a ditadura.
“Frei Tito foi um dos maiores mártires da ditadura. Por isso, vamos receber Frei Xavier, um dos seus mais íntimos amigos, que vai dar seu testemunho, lembrar a sua luta pelos direitos humanos, a justiça social e a democracia”, explica Roseno. A Alece TV registrará o espaço, a pedido do parlamentar.
O encontro está sendo realizado pelo nosso mandato, pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alece (CDHC/Alece), pelo Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, em parceria com a Associação dos Amigos da Casa de Frei Tito e com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Serviço
Diálogo sobre Memória, Verdade, Justiça e Reparação. Resistir à opressão: um testemunho de Frei Xavier sobre Frei Tito
Data: Dia 24 de janeiro (sexta-feira), a partir das 15h.
Local: Auditório do Anexo III da Assembleia Legislativa do Ceará (2º andar), que fica na Avenida Pontes Vieira, 2348, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza.
Conheça Frei Xavier
Graduado em Ciência Política em Paris, na França, no ano de 1970, Xavier Jean Marie Plassat, posteriormente conhecido como Frei Xavier Plassat, ingressou na ordem dominicana no ano seguinte. Lá, tornou-se amigo íntimo de Frei Tito de Alencar Lima durante seu exílio, no convento dominicano em L'Arbresle, no mesmo país.
Após sua morte, Frei Tito foi sepultado na França. Em 1983, coube ao Frei Xavier o translado dos restos mortais do amigo ao Brasil. Nesta ocasião, conheceu o frei Henri Burin des Roziers, também francês, e o trabalho da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Permaneceu algum tempo na região do Bico do Papagaio, Diocese de Goiás, conhecendo as comunidades e a realidade local. Comoveu-se com a situação dos posseiros em áreas griladas e decidiu então solicitar à Ordem a sua vinda ao Brasil como missionário.
Em 1989, estabeleceu-se no Brasil, a serviço da CPT. Desde 1997 dedica-se à Campanha pela Erradicação do Trabalho Escravo no campo. Este trabalho rendeu-lhe a Medalha Chico Mendes de Resistência em 2006 e o Prêmio Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República em 2008. ALém diso, em 2009, Ano da França no Brasil, foi homenageado pela Embaixada da França no Brasil, juntamente com Frei Henri des Roziers e Frei Jean Raguénès pela luta pelos direitos humanos.
Conheça a história de Frei Tito
Nascido em Fortaleza, Frei Tito iniciou sua militância por volta de 1961 e 1962, quando ingressou no Liceu do Ceará e passou a compor a União Cearense de Estudantes Secundaristas e a Juventude Estudantil Católica (JEC). Em 1968, mudou-se para São Paulo para estudar filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e, no mesmo ano, em 12 de outubro, foi preso sob acusação de ter alugado o sítio onde ocorreu o 30° Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, São Paulo.
Em novembro de 1969, foi preso novamente em companhia de outros dominicanos, todos sob acusação de terem ligações com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e seu dirigente Carlos Mariguella. Tito foi submetido à palmatória e aos choques elétricos, no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Em fevereiro do ano seguinte, quando já se encontrava em mãos da Justiça Militar, foi retirado do Presídio Tiradentes e levado para a sede da Operação Bandeirantes (Oban). Foi, então, torturado nos seus porões, em local chamado por Maurício Lopes, torturador, de “sucursal do inferno”.
Além do pau de arara, Tito foi submetido a choques elétricos, socos, pauladas e enfrentou um corredor polonês, sendo queimado com cigarros. Na prisão, Frei Tito escreveu detalhadamente sobre os métodos utilizados para torturá-lo. Os relatos ganharam notoriedade em todo o mundo, transformando-se em símbolo de luta pelos direitos humanos. O documento foi anexado ao seu caso na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Exílio
No governo Médice, Tito foi banido do Brasil com mais 69 presos políticos, seguindo para o Chile, de onde fugiu para Itália, pois, novamente, estava sob ameaça de prisão. De Roma, seguiu para Paris, onde recebeu apoio dos dominicanos e, uma vez na França, pôde retomar os estudos e atuar em entidades religiosas.
Na Europa, assim escreveu em uma carta a Frei Daniel: “Apesar de ainda angustiado, estou cheio de esperança. Nem um só momento de minha vida lamentei o que fiz. Estou asilado, banido e longe de minha pátria, mas estou firme e disposto a continuar a lutar, embora minha resistência psicológica tenha reduzido bastante após os 14 meses de prisão. Iniciarei uma psicoterapia para ver ser a recupero o mais rápido possível”.
Aos 29 anos, Frei Tito cometeu suicídio, durante o exílio na França, em 10 de agosto de 1974. Sua morte derivou do sofrimento físico e psicológico que carregava, como resultado dos anos de tortura e perseguição implementados pela ditadura militar brasileira. Por isso, a própria Igreja Católica reconhece seu falecimento como um martírio.