As contradições do pacote de corte de gastos de Haddad

28/11/24 17:00

O ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou, na noite da última quarta-feira (27), o pacote de corte de despesas obrigatórias a ser enviado pelo governo ao Congresso Nacional. A expectativa da equipe econômica é que a redução de "gastos" chegue a R$ 70 bilhões em dois anos (R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026). As medidas foram detalhadas na manhã desta quinta-feira (28) pelo próprio Haddad; pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; e pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Trata-se de um conjunto de medidas que, apesar de avanços pontuais e importantes (como a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil), prejudica os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, ameaça garantias constitucionais e refirma a lógica neoliberal como horizonte de atuação da equipe econômica. Em outras palavras, o pacote aprofunda o infame arcabouço fiscal em vigor desde 2023 e restringe políticas sociais absolutamente fundamentais para a população mais vulnerável.

Entre os principais pontos da proposta de contenção de gastos, estão a redução do abono salarial e um teto no reajuste do salário mínimo. Em relação ao abono, que hoje ajuda o trabalhador que recebe até dois salários-mínimos, a ideia é fixar a renda para acessar o benefício em R$2.640,00 e, em seguida, em 1,5 salário mínimo. Em relação ao salário mínimo, as regras para reajuste se tornam mais restritivas, mantendo a regra de crescimento pelo PIB, mas com uma variação real menor, restrita aos limites do arcabouço fiscal

Segundo o governo, para distribuir o impacto dos cortes aos mais ricos, o pacote propõe acabar com brechas que burlam o teto dos supersalários no serviço público e reformar a previdência dos militares. O conjunto de medidas anunciadas também prevê a limitação na concessão de benefícios fiscais enquanto as contas públicas estiverem deficitárias e a adoção de um teto no crescimento das emendas parlamentares.

Ainda segundo o governo, para reduzir o impacto político dos cortes de gastos obrigatórios, será enviada uma proposta para elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, em troca de uma alíquota efetiva de 10% para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês. As mudanças no IR, informaram os ministros durante a coletiva da manhã desta quinta, terão impacto zero nas contas públicas e antecipam a segunda fase da reforma tributária, que trata da cobrança de Imposto de Renda.

Contradições

Para o deputado estadual Renato Roseno, o pacote é permeado de contradições. Mesmo com a isenção do IR e a taxação de quem ganha acima de R$ 50 mil, as medidas anunciadas afetam de modo imediato a população mais vulnerável. Tudo em nome da manutenção de um arcabouço fiscal que é injusto e regressivo (porque penaliza mais os mais pobres) e que preserva quase que intocáveis os interesses do mercado. Sem falar no fato de o Brasil ter hoje um congresso majoritariamente reacionário como fiador dos interesses do grande capital no parlamento.

"Essa busca do equilíbrio fiscal está recaindo na revisão e na restrição de benefícios socioassistenciais, com o BPC e o abono salarial. Não se pode buscar ajuste fiscal sobre os mais pobres, mas sobre os mais ricos", avalia Renato. "Esse pacote distancia a população do governo. A população não quer mais 'austeridade', quanto mais porque é uma 'austeridade' que só é rigorosa com os mais pobres e mantém muitos benefícios dos mais ricos".

O parlamentar cita o exemplo do salário mínimo. A regra atual de reajuste considera o crescimento pela inflação do ano anterior e a ele soma-se o crescimento real igual ao PIB de dois anos anteriores. Pela regra proposta, o governo mantém o crescimento real pelo PIB, mas essa variação real estará nos limites do arcabouço fiscal, que limita o crescimento dos gastos do governo a até 2,5% ao ano acima da inflação nos casos em que a arrecadação cresça para tanto.

Na prática, para adequar a regra de reajuste do salário mínimo aos limites do arcabouço seria necessário também limitar o aumento real dele a até 2,5%, mesmo em casos de crescimento econômico acima disso. Em 2023, por exemplo, o PIB do Brasil cresceu 2,9%. Pela regra atual, o salário mínimo em 2025 seria reajustado pela inflação e mais esses 2,9%. Com a nova regra, fica apenas a inflação e mais 2,5%. Em 2026, seria a inflação e mais esses 2,5%, mesmo com a economia brasileira sinalizando que poderá crescer acima de 3% em 2024.

Segundo deputado, vários países viveram recentemente a experiência de adotar medidas fiscais mais duras e restritivas e acabaram abrindo caminho para a extrema-direita chegar ao poder em função da insatisfação da população com a economia. "Corte de gastos em cima de direitos fundamentais, feito apenas em cima dos mais pobres, não tem nada de sustentável. Pelo contrário, essa 'auteridade' contraditória só aprofunda a desigualdade e ameaça o futuro, inclusive da democracia", avalia Renato. (Texto: Felipe Araújo, com informações da Agência Brasil / Foto: Fabio Pozzebom - Agência Brasil)

Saiba mais sobre as medidas anunciadas pelo governo federal

Nova regra de reajuste para o salário mínimo

Regra dos dois governos anteriores: Crescimento apenas pela inflação

Regra atual: Crescimento pela inflação do ano passado + crescimento real igual ao PIB de 2 anos anteriores

Regra proposta: Mantém regra de crescimento real pelo PIB, mas a variação real estará nos limites do arcabouço fiscal

Limitação ao público do abono salarial

Regra atual: trabalhador que recebe até 2 salários-mínimos

Regra proposta: Fixar a renda para acessar o benefício em R$2.640,00 e corrigido pelo INPC até chegar a 1,5 salário mínimo

Controle na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC)

Regra atual: O valor do BPC é de um salário mínimo, pago por mês às pessoas idosas e/ou com deficiência que não podem garantir a sua sobrevivência, por conta própria ou com o apoio da família.

Regra Proposta: Governo vai focalizar em pessoas incapacitadas para a vida independente e para o trabalho; Vedação de dedução de renda não prevista em lei Passam a contar para acesso: renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID) Biometria será obrigatória para novos benefícios e atualizações cadastrais Em uma mesma família, a renda de um benefício volta a contar para acesso a outro benefício

Reforço na fiscalização do Bolsa Família

Regra atual: Para ter direito ao Bolsa Família, a principal regra é que a renda de cada pessoa da família seja de, no máximo, R$ 218 por mês. Por exemplo, se apenas um integrante da família tem renda e recebe um salário mínimo (R$ 1.412), e nessa família há sete pessoas, a renda de cada um é de R$ 201,71.

Regra proposta: ▪ Restrição para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento ▪ Inscrição ou atualização de unipessoais deve ser feita em domicílio obrigatoriamente ▪ Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses ▪ Biometria obrigatória para inscrição e atualização cadastral ▪ Concessionárias de serviços públicos deverão disponibilizar informações de seus bancos de dados para viabilizar cruzamento de informações

Fixação em lei complementar das exceções ao teto do funcionalismo para limitar "supersalários"

Medidas direcionadas às Forças Armadas

▪ Fixação de idade mínima para passagem à reserva, extinção da "morte fictícia", fim das transferências de pensão e contribuição de 3,5% ao fundo de saúde

Limites às emendas parlamentares (PLP 175)

▪ Limita crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal ▪ Restringe emendas nas despesas discricionárias do Poder Executivo ▪ Veda crescimento real das emendas não impositivas, de modo que montante total das emendas crescerá sempre abaixo do arcabouço ▪ Destina 50% dos valores de emendas de Comissão para o SUS, observados critérios e diretrizes técnicas ▪ Bloqueia emendas proporcionalmente aos bloqueios do Poder Executivo, limitado a 15% do total das emendas (R$ 7,5 bi em 2025)

Gatilhos para conter benefícios tributários e gastos com pessoal em caso de déficit primário ou redução de despesas discricionárias (livres)

▪ Benefícios tributários: se houver déficit primário de 2025 em diante, no exercício seguinte à apuração do déficit fica vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários

▪ Pessoal: gatilho de reenquadramento vedará, a partir de 2027, aumento real acima de 0,6% se despesa discricionária se reduzir de um ano para o outro

Aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil, compensada por fixação de alíquota efetiva mínima para os mais ricos

▪ Fixação de alíquota efetiva mínima para os mais ricos: atualmente, para o 1% mais rico, a alíquota efetiva é de 4,2% e, para o 0,01% mais rico, a alíquota efetiva é 1,75%

▪ Proposta de revisão da isenção de IR para faixas mais altas de renda dos aposentados por moléstia grave ou acidente

▪ Ajuste sistêmico nas regras tributárias para garantir a coesão do sistema e evitar elisão e evasão fiscais

Educação em tempo integral

▪ Até 20% da complementação da União ao Fundeb poderá ser empregada em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública

Lei Aldir Blanc

▪ Repasse anual de até R$ 3 bi aos entes continua, mas condicionado à execução dos recursos pelos entes no ano anterior

Concursos públicos

▪ Faseamento de provimentos e concursos em 2025 (meta de pelo menos R$ 1 bilhão de economia)

Subsídios e subvenções

▪ Autorização para ajuste orçamentário em cerca de $ 18 bilhões em subsídios e subvenções

Fundo Constitucional do Distrito Federal

▪ Submete variação de recursos do Fundo ao IPCA

Desvinculação de Receitas da União (DRU)

▪ Prorroga a DRU até 2032

Criação de despesa

▪ Deve observar a variação da despesa anualizada limitada ao crescimento permitido pelo arcabouço

Dever de execução

▪ Revoga dever de execução do orçamento

Áreas de atuação: Economia