Parque do Cocó: entidades denunciam política "antiambiental" do governo Camilo

01/06/17 11:00

Em nota divulgada nas redes sociais na última quarta-feira, a Frente Cocó, coletivo de movimentos sociais engajados na luta em defesa do parque, denuncia que o governo Camilo Santa quer esconder, por trás do processo de regulamentação anunciado para o próximo domingo, uma política "antiambiental", cuja concepção apresenta profundas inconsistências ambientais, que tanto produz injustiça social quanto favorece a especulação imobiliária. A nota é assinada por mais de 15 entidades e conta com a assinatura de centenas de apoiadores das mais diversas áreas (jornalistas, advogados, ambientalistas, urbanistas, etc).

Confira, abaixo, a íntegra da nota, que pode ser acessada na pagina do coletivo (https://www.facebook.com/FrenteCoco).

"A regularização do Parque do Cocó vem sendo anunciada como um grande feito do Governo Camilo Santana, uma festa em que governo, empresários e ambientalistas se confraternizem em torno de um “ideal comum”. Mas esse palanque montado visa esconder algo muito grave, que não seria compensado mesmo que 100% das propostas dos movimentos socioambientais em relação ao Cocó tivessem sido implementadas pelo governo (e não o foram, muito antes pelo contrário, conforme se verá a seguir). Trata-se da própria política antiambiental do governo Camilo. Nossos biomas estão desprotegidos, vide o aumento de 149% no desmatamento nas áreas dos enclaves de Mata Atlântica e o aumento, por dois anos consecutivos, das queimadas na caatinga. A política de incentivo aos agrotóxicos permanece, com o governo se negando a apoiar iniciativas como a proibição da pulverização aérea. E as políticas hídrica e climática de Camilo não podem ser caracterizadas como nada menos do que desastrosas. O incentivo a indústrias poluentes, carbointensivas e hidrointensivas, como termelétricas, siderúrgica e refinaria, farão com que o legado desse governo seja um Estado em condições de colapso de abastecimento de água e com recorde absoluto de emissões de CO2, na contramão do Acordo de Paris e das possibilidades de aproveitamento energético limpo e socialmente justo da energia solar em nosso estado. Quanto ao decreto assinado pelo Governador Camilo criando, como unidade de conservação – UC – pela Lei 9985/2000, o Parque Estadual do Cocó, é preciso dizer que não é a primeira ação de governos para a preservação do Cocó, fruto da mobilização da cidade, da sociedade civil e dos movimentos ambientalistas da cidade. Antes dele, tivemos a criação da APA (Área de Proteção Ambiental) do Vale do Rio Cocó, pela prefeita Maria Luiza Fontenele, os dois decretos de desapropriação assinados por Tasso Jereissati (que invadiu o ecossistema para construir, inicialmente, o Shopping Iguatemi e, após, a Torre Iguatemi) e Ciro Gomes, ambos para a criação do parque (o que não veio a ocorrer na sequencia). Além desses decretos, tivemos, em nível municipal, na gestão Luizianne Lins, a criação das duas UCs da Sabiaguaba (a APA e o Parque das Dunas) e a ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico) das Dunas do Cocó, esta última pela Câmara Municipal de Fortaleza, de iniciativa do Vereador João Alfredo. Todas essas iniciativas foram importantes porque impediram uma devastação maior da nossa maior área verde, que está situada na bacia do rio que compreende 2/3 do território da cidade. No entanto, a ausência de plano de manejo (como no caso da APA do vale) ou o desrespeito pela própria prefeitura e governo de planos existentes (como no caso de Sabiaguaba, onde uma estrada estadual rasgou parte das dunas protegidas) demonstram que não basta criar legalmente essas áreas protegidas, mas que é preciso efetivamente protegê-las após sua criação, através de ações de comando e controle, com a participação da coletividade. Não desconhecemos a importância da criação definitiva do parque seguindo a lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), fruto – repetimos – das lutas e mobilizações sociais e ecológicas; não podemos esquecer o histórico movimento SOS Cocó e o também histórico acampamento contra os viadutos que invadiram o parque, o Ocupe o Cocó, que resistiu durante quase três meses contra bombas e tratores. No entanto, a concepção que está por detrás do decreto tem profundas inconsistências ambientais, pode produzir injustiça social e ainda favorecer a especulação imobiliária (ainda mais se casarmos esse ato com medidas que estão sendo debatidas no âmbito do legislativo e do executivo municipal, cujo gestor, RC, é aliado do governador), senão vejamos: 1. Ao restringir a poligonal do parque ao que hoje são as terras de marinha – que já são públicas, de propriedade da União e que serão transferidas ao Estado – o governo deixou de fora do decreto as propriedades privadas, que contém áreas frágeis e importantes do ponto de vista ambiental, como, por exemplo, o cordão de dunas que vai do bairro do Cocó, passa pela Cidade 2.000 e chega até à Praia do Futuro, uma área de mais de 400 ha. de propriedade dos especuladores e latifundiários urbanos, que é fundamental para o ecossistema do rio; 2. Acrescentando a isso iniciativas no âmbito municipal – como operação consorciada (uma espécie de PPP) das Dunas do Cocó, a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo e a consequente mudança de zoneamento ambiental (em discussão na Câmara e na Prefeitura) – , tem-se como resultado a abertura dessa preciosidade ambiental para o capital imobiliário, que ganharia uma valorização de suas áreas de engorda com a privatização da paisagem para novos empreendimentos, como já ocorre hoje com os prédios da Santana Júnior, contíguos ao parque. Isso explica porque a propalada ação da prefeitura de aumentar a proteção das dunas, através da criação de uma zona de preservação ambiental, tenha desaparecido do discurso do secretário Artur Bruno; 3. A inclusão – na poligonal do parque – das comunidades tradicionais da Boca da Barra (em Sabiaguaba) e Casa de Farinha, que têm uma relação social, histórica, cultural e econômica com o território também tradicional (através da pesca, da coleta, de manifestações culturais etc.) poderá se tornar fonte de conflito socioambiental grave e levar até à expulsão branca dessas populações. Ora, o parque é uma unidade de proteção integral e, em qualquer lugar do Brasil, onde comunidades ficaram dentro desse tipo de UC, suas populações foram impedidas de continuar com seus usos e atividades tradicionais (um estudo da USP, coordenado pelo Professor Diegues, lista todos esses casos). A salvaguarda, no decreto, de uma dessas comunidades – a Boca da Barra – é apenas provisória e depende de um posterior estudo para o reconhecimento ou não como comunidade tradicional, num claro desrespeito ao plano de manejo daquelas unidades de conservação; 4. Ainda sobre comunidades tradicionais – que são, em todo o país, juntamente com os povos indígenas, as verdadeiras guardiãs de nossa sociobiodiversidade ambiental e cultural – é preciso dizer que o Decreto Federal 6040, que criou uma política nacional para essas populações e territórios, recomenda, onde elas existirem, a criação de unidades de uso sustentável (como reservas extrativistas, de desenvolvimento sustentável ou APAs) em vez de unidades de proteção integral, que proíbem o uso direto (inclusive a pesca e a coleta). Portanto, não é verdade que o governo atendeu à comunidade, que, na verdade, desejava que seu território continuasse como APA, permitindo a continuidade de seus usos; sua inclusão no parque pode ser uma armadilha a médio e longo prazo para essa populações. Temos um histórico de luta e combate em defesa do Cocó e demais áreas verdes da cidade, mas também das comunidades tradicionais, dos povos indígenas e quilombolas, das matas, dos rios, da água e do clima. Daí, por todas essas razões que movimentos sociais, ambientais, cidadãos, cidadãs de Fortaleza abaixo firmados, não estarão nem se sentirão representados no palanque festivo de criação do parque do Cocó e reafirmam sua disposição de continuar lutando não só pelos direitos da natureza e dos povos tradicionais – no Cocó, em Sabiaguaba ou em qualquer território de nosso Estado – mas, por uma política socioambiental integral que seja digna deste nome e que represente os direitos das atuais e futuras gerações. SALVE O COCÓ, SEUS POVOS E SUA NATUREZA! EM DEFESA DO AMBIENTE, DO CLIMA E DA ÁGUA!"

Áreas de atuação: Meio ambiente