Paulo Arantes: a era das emergências e a utopia dos direitos humanos

27/08/19 12:52

No manhã do último sábado (24), o mandato do deputado estadual Renato Roseno (PSOL) promoveu a conferência "As emergências atuais do Brasil", com o filósofo e professor da USP Paulo Arantes. Ao lado da historiadora e professora Adelaide Gonçalves, Arantes falou sobre a ressignificação das relações entre os ideais de esquerda e a defesa dos direitos humanos. O evento aconteceu no auditório da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Ceará (ADUFC) e faz parte de um ciclo de conferências voltadas à compreensão da conjuntura política brasileira e que recebeu em Fortaleza, em abril deste ano, o também filósofo Vladimir Safatle.

"Paulo Arantes é um dos mais argutos intelectuais que o Brasil possui hoje. Além do pensamento sobre os enfrentamentos aos fascismos e autoritarismos que atravessaram o século XX, ele está sempre muito atento aos desdobramento de acontecimentos contemporâneos da história", afirmou Renato Roseno durante a abertura da mesa, que também contou com a presença do presidente da ADUFC, Bruno Anderson Matias da Rocha. "Ele fez de seu ofício de professor não um um ofício circunscrito ao ensino, mas também estimulou a tomada de posição diante do mundo", reforçou o deputado.

Graduado em Filosofia pela USP, em 1967, Arantes obteve seu doutorado pela Universidade de Paris X - Nanterre (1973). Autor de mais de 10 livros, é professor aposentado do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP) e dirige as coleções "Zero à Esquerda", da Editora Vozes; e "Estado de Sítio", da editora Boitempo. Também é pesquisador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania, CENEDIC, um centro interdepartamental de pesquisa vinculado à Universidade de São Paulo.

Em sua reflexão sobre o que chama de era de emergências, ele estabelece como marco inicial para esse período o fim de 1968. Naquele momento, o francês Bernard Kouchner, ex-militante do Partido Comunista e médico de formação, aceitou o convite da Cruz Vermelha para trabalhar numa missão na região separatista de Biafra, na Nigéria, área rica em petróleo e onde as grandes empresas petrolíferas haviam se instalado. Ao mesmo tempo, uma área que passava por gravíssimos problemas humanitários em função da miséria e da fome de seu povo.

"Estavam lá os Estados Unidos, a Grã-Bretanha a França, a Rússia, a China. Ele percebeu que, naquela guerra sanguinária de Biafra, esses protagonistas, conforme mudavam as circunstâncias políticas, mudavam de campo e faziam as alianças mais exóticas", explicou Arantes. Para o filósofo, a primeira visão de Kouchner foi a de que os grandes antagonismos políticos clássicos estavam se dissolvendo. E ele percebeu também que havia um terceiro excluído daquele conflito, que era a população que estava numa desgraça e numa miséria imensas.

"Ele descobriu a crise humanitária. Ele descobriu o corpo que sofre e percebeu que a campanha a ser feita era uma campanha de acesso aquele corpo que sofre, era uma campanha de proteção e ingerência, para além de soberania dos estados", afirmou. Segundo o professor, naquele momento aparece o conceito político de emergência, como algo que não pode esperar. "Como um corpo que chega à emergência de um hospital, um corpo mutilado, que agoniza e que não pode esperar. Naquele momento, a grande utopia socialista começa a sair de cena e entra em cena a utopia dos direitos humanos, que entram entram no radar de uma nova esquerda de se tornam um front de luta impressionante nos anos 70".

De acordo com Arantes, essa sensibilidade para a emergência é uma sensibilidade política nova. "Toda a tradição da esquerda até aquele momento era de uma espera pela revolução que iria acontecer. A partir dessa virada nos anos 70, não era mais possível esperar. Quem está sendo supliciado, quem está com fome, quem está sendo barbarizado não pode mais esperar", explicou. No Brasil, o governo Bolsonaro é eleito justamente a partir do desprezo de setores dominantes na política e na economia por essas emergências. "A revolução não é mais o trem da história, como queria Marx. A revolução é justamente o freio de emergência para evitar que o trem caísse no abismo", concluiu.

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Confira a íntegra da conferência do professor Paulo Arantes

Áreas de atuação: Direitos Humanos