Comissão discute situação das comunidades atingidas pelas obras do VLT

24/08/21 18:46

A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC) debateu, com representantes de órgãos governamentais, das comunidades e de entidades, na manhã desta terça-feira (24/08), em reunião técnica virtual, o problema das comunidades afetadas pelas obras do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) Parangaba-Mucuripe.

Entre as demandas da população afetada estão a realocação das famílias para residenciais em locais próximos às moradias originais; o reajuste do valor pago pelo aluguel social e de indenizações; a análise de danos estruturais nas residências.

O presidente da CDHC da Assembleia, deputado Renato Roseno (Psol), caracterizou como “inadmissível” que a situação das famílias afetadas pela obra se arraste por cerca de 10 anos e sem haver grandes mudanças para solução das demandas. “É exaustivo e indignante o andamento que estão dando para esses processos, que se arrastam por anos. Acompanhamos essa situação há muito tempo e cá estamos novamente falando sobre os mesmos assuntos. Vamos enviar os encaminhamentos devidos e cobrar que essas questões sejam, de fato, resolvidas”, afirmou.

Renato Roseno elencou os encaminhamentos da reunião, tais como: que o Governo do Estado utilize verbas do Tesouro Estadual para construir os residenciais, tendo em vista que é de onde saem os recursos para o aluguel social; que seja levada ao governador Camilo Santana a carta feita pelas comunidades com as demandas; que seja atualizado o cadastro das famílias, feito pela última vez em 2013, e a que sejam cobradas providências para mitigar os danos possivelmente causados pelo trem de carga, de responsabilidade da Transnordestina.

Durante a reunião, Jaqueline Silva, moradora e representante da comunidade do Lagamar, adiantou que, em acordo com o Governo do Estado, antes mesmo do início das obras, haviam sido feitos acertos e foram apresentadas demandas pelas famílias para que as novas residências ficassem nas regiões de origem, mas o Executivo insiste em direcionar as famílias para locais afastados, como o Residencial Alto da Paz, no bairro Mucuripe.

A representante criticou ainda o valor pago pelo aluguel social, que afirmou não sofrer reajustes anuais. “São cerca de 10 anos nessa luta, tentando resolver uma situação que interfere a vida de tantas famílias, observou.

Maria Ercília Maia, também representante dos moradores, reiterou que as famílias estão descontentes com a oferta de residências em bairros que não sejam os de origem. A moradora ressaltou ainda que muitas residências tiveram a estrutura abalada e algumas famílias precisaram deixar sua moradia. “Casas como a minha, com cerca de 37 anos de construção, nunca tiveram problemas graves como esses que apareceram agora”, pontuou.

A vereadora de Fortaleza Adriana Gerônimo (Psol), do mandato coletivo Nossa Cara, também moradora do Lagamar, criticou o que considerou “um déficit habitacional criado pelo próprio Governo”, pois as pessoas tinham suas casas e foram removidas pelo Estado. “É muito estarrecedor vermos os transtornos causados por essa obra. Ela tem seus benefícios, mas muito impactou negativamente esses moradores, que perderam suas moradias. Ninguém aguenta mais essa situação. O aluguel social não paga mais o valor da moradia. Está defasado. Pessoas já morreram e não receberam sua casa”, pontuou. A vereadora afirmou ainda que não é mais aceitável colocar a culpa apenas no Governo Federal, pois o Governo do Estado também tem sua responsabilidade sobre essas famílias.

A representante do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar da AL, Mayara Justa, caracterizou como “estarrecedor” as comunidades afetadas pela obra estarem enfrentando os mesmos problemas, desde a primeira intervenção, há 10 anos, além de outras questões que foram surgindo ao longo dos anos. “São gerações afetadas. Quem era criança naquela época hoje já é adulto e os problemas persistem”, alegou.

Mayara Justa observou ainda os impactos da pandemia de Covid-19 na vida dessas famílias. “A pandemia nos mostrou da forma mais explícita possível a dificuldade dessas pessoas. Como elas vão ficar em casa, para resguardar a saúde, se não sabem nem se vão conseguir pagar? Os donos de imóveis, muitas vezes, acabam não alugando suas casas para essas pessoas, pois sabem do valor defasado do aluguel social. É cada vez mais urgente que o Governo garanta uma moradia permanente para essas famílias”, disse.

A promotora do Ministério Público do Ceará Giovana Araújo acredita que a principal demanda é a construção das moradias permanentes para as famílias afetadas. Conforme apontou, todas as outras problemáticas são decorrentes dessa não construção desse empreendimento. Ainda segundo ela, essas famílias foram impactadas e por uma obra que pode não as atender. “Esse modal que foi entregue na região passou a não comtemplar essas famílias, que moravam originalmente ali. Essas pessoas, muitas vezes, não precisavam utilizar transporte para ir ao trabalho, mas passarão a precisar de outras formas para se deslocar. Isso porque os querem mandar para áreas longínquas de sua moradia original”, analisou.

O defensor público do Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública do Estado do Ceará, Lino Fonteles, avaliou que o Governo Estadual nunca levou a sério o caso que envolve a realocação dessas famílias. De acordo com ele, desde o começo das negociações, o Estado apresentou valores irrisórios para as indenizações das moradias, não fez as novas residências e não paga valores adequados para o aluguel social.

“O Estado do Ceará não pode assumir um compromisso esperando que o Governo Federal cumpra. Não podemos tolerar que haja esse tipo de descaso com essas famílias e com essas comunidades. Além disso, na época em que foi firmado o compromisso para construção dessas unidades habitacionais, havia verba e uma conjuntura favorável para avançar nessa obra. A falta de compromisso não é de agora”, constatou o defensor.

O representante da Secretaria das Cidades do Ceará, Waldemar Pereira, alegou que “não é que o Estado queira botar a culpa no Governo Federal”, mas é a União que centraliza a política habitacional e que alterou a destinação de verbas do então programa Minha Casa, Minha Vida. Conforme explicou, essas mudanças dificultaram a entrega de residências no Ceará, e o Estado teve que entrar com um aporte de R$ 3 milhões para dar andamento à obra do conjunto Aldacir Barbosa.

Waldemar Pereira afirmou ainda que estão contratadas na Caixa Econômica Federal as construções de outros dois empreendimentos, que devem contemplar pouco mais de 47% das famílias que recebem aluguel social. O gestor garantiu ainda que não há pressão por parte do Governo do Estado para que as famílias aceitem ir para o Residencial Alto da Paz, no Mucuripe. De acordo com ele, esse empreendimento tem mais moradias e tem maior acesso ao VLT Parangaba-Mucuripe. “Após a entrega em setembro, no Alto da Paz, onde mais de 300 famílias serão contempladas, teremos pouco mais de 500 famílias para receber aluguel social. Devemos buscar alternativas ainda para absorver a demanda e driblar a falta de recursos da União”, explicou.

O representante da Secretaria de Infraestrutura do Ceará (Seinfra), Cyro Regis Castelo, esclareceu que a pasta paga o aluguel social, mas não faz o reajuste de valores – responsabilidade, segundo ele, da Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag) e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Sobre as situações em que os responsáveis legais pelo aluguel social faleceram, Cyro Castelo explica que as famílias devem procurar o órgão para solucionar o caso. No tocante às rachaduras nas casas, o representante da secretaria declarou que os impactos podem estar sendo acentuados também pelo trem de cargas que passa pelo local. Sugeriu também a notificação da Transnordestina para verificação de danos.

O procurador do Estado, Germano Vieira, afirmou que tão logo chegam as solicitações para transferência dos benefícios de aluguel social, em casos de morte, essas são deferidas e de forma célere. No entanto, há casos em que pessoas fora do núcleo familiar tentam fazer essa transferência e, “por questões lógicas não são atendidas”, pois é necessário que seja repassado para alguém que vivia com o beneficiário original.

Participaram ainda da reunião técnica servidores da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da AL; representantes do Núcleo de Conflitos Fundiários do Ministério Público do Estado do Ceará; do Fórum Orçamento na Luta e representantes das comunidades impactadas, além de moradores das comunidades afetadas pela obra do ramal do VLT Parangaba-Mucuripe. (Texto: ASCOM-AL / Foto: Livia Costa, divulgação Lehab-UFC)

Áreas de atuação: Moradia