Zuleide Queiroz: mulheres são as mais atingidas pela destruição de direitos sociais

08/03/21 10:00

ESPECIAL 8M

Mulher negra de força, voz e presença destacadas. Zuleide Queiroz, 57, é dessas mulheres que preenchem o recinto quando se faz presente. Nascida em Fortaleza, mas com o pé (e o coração) radicado na Região do Cariri, a professora vê a militância como uma forma de lutar e resistir, e carrega esse olhar em todas as searas da vida. Hoje, Zuleide é diretora do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior, integra o Movimento de Mulheres, a Frente de Mulheres do Cariri e a Resistência Feminista do PSOL; além desses, participa do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec) e do Movimento Negro Unificado no Ceará. Sua existência é voltada à luta pela defesa de direitos.

Em alusão ao 8 de março, data que tem raízes históricas de reinvindicação da liberdade das mulheres, ouvimos falas potentes de militantes que estão à frente de lutas pela garantia de direitos. Ao longo desta semana, vamos publicar uma série de entrevistas aqui no site. A professora Zuleide é nossa primeira entrevistada, falando sobre sua trajetória de militância, a atual conjuntura de luta do feminismo e a convocação de novas militantes para abraçar os movimentos de mulheres, (Texto e arte: Evelyn Barreto)

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você percebeu que suas ações estavam inseridas na militância?

Zuleide - É importante a gente dizer que nascer numa periferia de uma cidade, eu nasci em Fortaleza, na periferia de uma grande cidade, é sempre um elemento, um marcador importante para pensar a militância e o que é o termo “militância”. Militância tem o sentido de a gente estar pronto, antenado, estar sempre com disciplina, disposição para poder lutar pelos seus direitos. Então, primeiro, o direito de uma mulher negra, de uma jovem negra numa cidade como Fortaleza é o direito de lutar para viver, a pauta do jovem negro na periferia é essa. Logo, minhas ações se inserem na militância como estudante e como professora, atuando na educação há mais de 30 anos. Ser professora, inclusive, está relacionando diretamente à minha atuação junto aos movimentos sociais, onde posso somar diretamente na formação de pessoas, de professores e de futuros professores. Me junto, também, à formação da juventude, no sentido de colaborar com a nossa mudança e pensar as mudanças necessárias no mundo.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Que fatores são mais importantes para a defesa de uma luta?

Zuleide - Os fatores mais importantes na defesa de uma luta, especialmente num contexto de pandemia, é o do direito de respirar. Esse direito pode parecer simbólico, mas quando dizemos “respirar” é, por exemplo, ter acesso ao Sistema Único de Saúde, o SUS, por isso que o defendemos. Compreendemos, nós mulheres socialistas na luta feminista, que a defesa da saúde pública, da educação pública, da moradia, a defesa dos princípios de dignidade para que se exerça a cidadania, o direito ao trabalho, são fundamentais para a nossa existência. Hoje, consideramos que o direito de receber vacina pelo SUS, o direito de lutar pelo Auxílio Emergencial, em especial para nossas mulheres que são vítimas de violência, já que estamos falando do 8M, são fatores importantes para nós nesse momento, essas são nossas bandeiras nesse momento. Falamos também da luta pelo direito à democracia no Brasil, que não está separada desses outros citados. Quando acompanhamos os ataques ao serviço público, ataque ao SUS, ataque à educação; vendo tentativas de desvincular os recursos da educação e da saúde previstos na Constituição Federal, como estamos vivendo nesse momento, esse é um elemento para a gente dizer: olha, nós temos que ter como principal bandeira de luta o direito à vida e isso significa ter recursos públicos garantidos para saúde e educação.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Enfrentamos um ano de pandemia, de negação de direitos e de um governo que se retroalimenta do cenário de calamidade. Nesse contexto, o que precisamos destacar no 8M deste ano e de outros que estão por vir?

Zuleide - E enfrentando esse ano de pandemia, com a negação dos direitos pelo Governo Federal e enfrentando uma situação de calamidade, o 8M vem para exatamente fazer um levante! Vamos, esse ano, para um primeiro movimento nacional com uma data prevista. Ano passado, no 8M de 2020, conseguimos ainda ir para as ruas; esse ano, vamos ter de fazer em um contexto mais perverso, mais terrível, inclusive com mais mortes, com hospitais mais lotados, mas nós vamos ter que lutar! E aí a nossa luta do 8M vem unida: em âmbito nacional, Oito de Março Nacional, assim como uma Estadual e uma específica da região do Cariri, que é onde localizamos nosso maior espaço de luta. Teremos uma jornada de luta que vai do dia oito ao dia 14 de março, que é um dia para cobrarmos, novamente, justiça por Marielle Franco, assim como pedir a prisão dos assassinos. Esta agenda irá se estender por todo o mês de março, mas teremos esse período para intensificar a luta pelo direito à vacina, ao SUS, à educação e a uma sociedade democrática. Tudo isso resulta no “Fora Bolsonaro!”, que é um dos lemas de nossa campanha.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você avalia a participação de mulheres em movimentos de defesa de direitos e garantias?

Zuleide - A participação de mulheres em movimentos de defesa de direitos é uma constante. Hoje, a gente vê que as mais afetadas neste contexto de negacionismo por parte do Governo Federal e dos políticos de centro-direita, somos nós. Acompanhamos toda essa política que insiste em retirar nossos direitos e que tem alto impacto na vida das mulheres, principalmente, porque temos o maior número de mulheres que são responsáveis por suas famílias, são mães-solo. Quando uma jovem morre, como aqui no Ceará, onde mais de 600 jovens morreram em 2020, são as mães que sofrem; se temos um agrupamento de encarcerados e encarceradas, são as mães que estão cuidando, que estão sofrendo e que estão buscando justiça. Logo, as mais atingidas são sempre as mulheres. O chamado do 8M tem o objetivo de fazer um levante, porque nós mulheres é que movemos toda essa estrutura do capital, mas, o que percebemos, é que na hora de usufruir desses direitos, dessas condições de ter o direito à vida, o direito ao trabalho, o direito de andar com dignidade, de ter de cuidar de nossos filhos, não temos.

É TEMPO DE RESISTÊNCIA - E para as que não estão inseridas, como convidá-las a participar desses movimentos?

Zuleide - Estamos aqui para fazer um chamado; uma participação das mulheres no movimento de defesa dos direitos e garantias! Convidar, inclusive, a participar do movimento de mulheres. Aqui eu repito: “Nós somos mulheres feministas internacionalistas!”. Mas, o que é ser mulher feminista internacionalista? Uma das grandes teóricas para nós, feminista negra, a escritora Bell Hooks diz nos seus escritos que “o feminismo é para todos”; então, o nosso feminismo é pela vida, é pelo direito de existir; o nosso feminismo é para estar junto com homens e mulheres lutando por melhores condições de vida. Para isso, queremos acabar com a violência contra a mulher, com a violência contra as nossas mulheres trans e as nossas travestis e com a morte da juventude negra. É um movimento que rompe com a estrutura do capitalismo, esse que explora, segrega, fragmenta e que tira a luta do eixo da sua centralidade: a destruição do racismo estrutural. Por tudo isso, fazemos esse convite para que as mulheres e os homens que queiram nos acompanhar venham participar dos movimentos. No Ceará, temos diversos movimentos. Nós temos grupos de mulheres nos sindicatos, temos coletivos de mulheres nas universidades, coletivos de mulheres no movimento estudantil secundarista entre outros. Há sempre espaço. São mais de trinta entidades esse ano construindo o 8M no Estado do Ceará. Então, o convite fica aí para todos e todas!

Áreas de atuação: Mulheres