ZEEC: aprovação é importante, mas recuos do governo são derrota para ambientalistas

04/06/25 23:00

Um copo meio cheio e meio vazio. Foi assim que o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) classificou a aprovação, na tarde de hoje, pela Assembleia Legislativa (ALECE), do projeto de lei de autoria do Poder Executivo (PL 64/2023) que dispõe sobre a Política Estadual do Gerenciamento Costeiro (PEGC) e atualiza o Zoneamento Ecológico Econômico da Zona Costeira do Ceará (ZEEC).

Copo "cheio" porque o projeto representa um avanço ao oferecer ao estado um importante instrumento de gestão socioambiental e territorial. Mas também "vazio" porque frustra os movimentos ambientalistas e as comunidades tradicionais do litoral ao recuar, em função da pressão de setores econômicos, em pontos acordados em versões anteriores do texto e que protegiam os direitos daquelas populações bem como os ecossistemas da nossa costa.

"Eu celebro a aprovação do texto, mas não celebro o recuo do governo em relação a emendas já acordadas e que foram construídas junto com a luta social. O capital, mais uma vez, fez uma pressão muito grande sobre o parlamento. E também sobre o governo", afirmou o parlamentar. "É importante a existência do ZEEC, mas é importante dizer que novas concessões foram feitas aos interesses de setores econômicos. E essas concessões não são a favor dos nossos ecossistemas nem a favor de indígenas, quilombolas ou pescadores. São contrárias a eles".

ANISTIA INCONSTITUCIONAL - A discussão sobre a atualização do ZEEC já se estendia por mais de 10 anos e o projeto do governo tramitava na casa desde 2022. Ao longo desse tempo, movimentos sociais e ambientalistas construíram emendas para reforçar a proteção das comunidades tradicionais litorâneas e dos ecossistemas da costa cearense. Essas propostas foram apresentadas por Renato, aprovadas em comissões da Assembleia e incluídas no texto do projeto.

Hoje, 12 dessas 24 emendas apresentadas anteriormente foram rejeitadas pela base do governo a partir de pressão de grupos econômicos interessados em expropriar esses terrritórios. Entre os pontos modificados, estão medidas que garantiam a presença de indígenas e quilombolas no texto, a necessidade de atenção à convenção 169 da OIT, que determinada a consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais; e a manutenção da cartografia social realizada pela Secretaria do Meio Ambiente em 2022.

A cartografia foi desenvolvida como parte do Diagnóstico do ZEEC, em 2020 e 2021, com atualizações de dados no âmbito do Programa Cientista-Chefe do Meio Ambiente da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMA), em 2022. Foi uma grande pesquisa que envolveu o mapeamento de mais de 324 comunidades tradicionais, incluindo os usos e ocupações de seus territórios. Tudo em diálogo com as próprias populações, que participaram do processo de planejamento territorial da costa.

No texto aprovado hoje pela ALECE, está previsto que essa cartografia pode ser revista, o que preocupa os ambientalistas e os movimentos sociais. "Isso traz uma insegurança muito grande", destaca Renato. "A costa cearense é hoje um local de intensa conflitualidade entre a resistência das comunidades e o setor econômico, que não está interessado na conservação dessas populações, mas na expropriação desses territórios".

Outro ponto muito criticado pelo parlamentar e pelos movimentos sociais é a possiblidade que o texto aprovado abre para a regularização de construções em área de preservação permanente (APP). Uma emenda apresentada por Renato havia sido negociada para restringir essa possibilidade, mas o governo também recuou em relação à proposta e rejeitou a emenda, dando margem, no texto aprovado, a uma anistia que é, no entendimento do deputado, flagrantemente inconstitucional.

O parágrafo terceiro, do artigo 25, da lei aprovada diz textualmente: "fica assegurada a regularização das edificações cuja ocupação e implantação tenham ocorrido antes da data da publicação desta lei, desde que o responsável, pessoa física ou jurídica, se obrigue por termo de compromisso firmado no órgão ambiental competente a proteger a integralidade das APPs adjacentes, ressalvadas as isenções e dispensas legais".

Renato lembra que a legislação federal admite apenas em casos excepcionalíssimos intervenções em áreas de APP, a exemplo de regularização fundiária de interesse social de núcleos urbanos informais consolidados. "Mas, ainda assim, desde que atendidos os requisitos que assegurem o ganho ambiental e preservem o interesse público", ele explica. "Não cabe ao ente subnacional (estado ou município) estabelecer norma menos protetiva sobre o assunto. Mas é isso, infelizmente, que está previsto no ZEEC". (Texto: Felipe Araújo / Foto: Divulgaçao-SEMA)

Áreas de atuação: Meio ambiente