Há mais de 30 anos, vivo as diversas dimensões da violência. Escolhi isso como objeto de estudo e caminho de militância e atuação profissional. Já trabalhei em ONGs onde denunciamos violências diversas e atendemos vítimas. Trabalhei no serviço público, na política de acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Estou no parlamento, onde presido um comitê de prevenção à violência e uma comissão de direitos humanos. Atendemos deslocados, vítimas e também policiais vitimados pela violência. Sou obrigado a fazer esse relato para três reflexões.
A primeira é que vi e ouvi muita coisa ruim na vida. Ouvi depoimentos dolorosos e mães de crianças, ouvi falas assustadas de crianças e adolescentes, ouvi policiais, técnicos, gestores. Mas nunca tinha visto uma cena - no Brasil - como essa de dezenas de corpos enfileirados nas ruas dos complexos de favela do Rio de Janeiro. Quem eram aquelas pessoas? Quem disse que eram todos criminosos? E os que tombaram pela simples fato de lá morarem? Quem se responsabiliza por isso? Quem consola a mãe do policial que tombou nessa operação? Quem consola a mãe do adolescente que perdeu a vida?
Nesse sentido, temos também de nos perguntar de forma muito honesta: quem disse que isso vai alterar substancialmente alguma coisa? O mercado do tráfico mudou? A corrupção de agentes públicos diminuiu? A entrada de armas cessou? Quem vai acompanhar as famílias e vítimas sobreviventes traumatizadas?
Segundo ponto é que o ódio e quem se beneficia dele perdeu qualquer compostura. Mesmo aqueles que se dizem cristãos. Na Assembleia do Ceará e em vários parlamentos pelo país, inclusive na Câmara Federal, vozes glorificaram a violência. Querem uma carnificina aqui e em todo lugar. Lucram votos com seu desavergonhado oportunismo eleitoreiro. Se lambuzam no sangue da tragédia que não chega nem perto deles. São abutres com pensamento raso, rasteiro, tecnicamente fraco e, acima de tudo, odioso. Esses parlamentares nos tornam piores enquanto povo.
Não faltam propostas para o enfrentamento da violência. Há décadas, movimentos, gestores de segurança, policiais, pesquisadores têm apontado: a política de guerra é equivocada; precisamos de cooperação interfederativa; precisamos planejamento multidimensional da prevenção à inteligência. As melhores operações e experiências não deixaram dezenas de corpos estirados. Basta citar o exemplo recente da operação da Polícia Federal na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, um dos principais centros financeiros do país, que alcançou instituições e empresários ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e envolvidos com crimes contra a ordem econômica, fraude fiscal e estelionato.
Por fim, a última reflexão é no sentido de ressaltar que quem gosta de sangue humano derramado é vampiro. A única imagem que me vem à cabeça quando vejo deputados vibrando com o sangue de centenas de pessoas é que eles são amantes da morte, são parasitas eleitoreiros que se nutrem do ódio e da tragédia, vampiros que se movem apenas na noite da mentira, da exploração do medo e da manipulação da opinião pública. É gente que teme o sol do humanismo e da verdade!
Renato Roseno, deputado estadual (PSOL-CE)
Foto: Tomaz Silva /Agência Brasil





