Comunidades cobram providências sobre barragem do Cocó

04/06/19 09:20

"Não é justo o que a gente está passando. Não é justo. Nós somos pessoas pobres que perderam o pouco que tinham". O depoimento emocionado traduz o tamanho e a gravidade do problema. Moradora da comunidade do Real, no Conjunto São Cristóvão, uma das dezenas de populações atingidas pelas fortes enchentes do Rio Cocó no começo do ano, Amanda Karen arranca aplausos de solidariedade e de indignação da plateia que lota o auditório Murilo Aguiar na Assembleia Legislativa.

Ao lado de cerca de 300 pessoas que vieram das localidades prejudicadas pelos alagamentos, Amanda participou na tarde desta segunda-feira (3) de uma audiência pública que discutiu os impactos socioambientais das enchentes sobre as comunidades do São Cristovão e do Conjunto Palmeiras e a situação da barragem do rio Cocó. O debate foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da AL, em conjunto com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Mulher, Juventude, Idoso da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor).

"Nós somos pessoas que estão fora das suas casas. Nossas crianças estão brincando na água da fossa. Precisamos que algo seja feito por nós. Queremos uma posição do prefeito e do governador sobre como nossa situação vai ser resolvida", desabafa Amanda. O tom de cobrança se repete nos depoimentos dos demais moradores. Com as fortes chuvas do começo do ano, potencializadas por problemas na elevação das comportas da barragem do rio, centenas de famílias de bairros no entorno do Cocó perderam todos os seus móveis e eletrodomésticos e foram obrigadas a deixar suas residências em função da força dos alagamentos.

Até hoje, essas populações aguardam informações e o devido atendimento por parte da defesa civil do município e do estado e reclamam que muitas promessas feitas pelo poder público não foram cumpridas. Representando as comunidades atingidas pelas enchentes, Gorete Modesto denunciou que, à época da instalação da barragem do Cocó, foram feitas promessas de que a área receberia benefícios como urbanização, implantação de ciclovias, áreas de lazer e esporte, entre outras obras urbanas. Todos os projetos, entretanto, estão parados atualmente.

Adriana de Almeida, moradora do Palmeiras II, afirmou que o alagamento das casas é causado não apenas pela chuva, mas também pela abertura das comportas da barragem, alertando para o fato de que a barragem não possui plano emergencial. “Desde então, passamos a viver em constante estado de alerta. Toda vez que chove, temos medo de que a água invada nossas casas”, relatou.

Texto alternativo

POLIGONAL - O deputado Renato Roseno (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da AL, ressaltou que muitas comunidades atingidas pelas enchentes não estão contempladas pela Poligonal do Cocó, e propôs a revisão do decreto que institui a área do parque. “Nós temos que rever essa poligonal, porque ela está prejudicando as pessoas no cadastro para as indenizações e no atendimento para o aluguel social e mais uma série de outros benefícios”, alertou.

Entre os outros encaminhamentos propostos pelo deputado, estão a cobrança à Prefeitura da limpeza urbana, desobstrução dos canais, segurança presencial da barragem e melhorias habitacionais das comunidades atingidas. Também propôs o envio de um laudo técnico à Defensoria Pública sobre as condições da barragem; e o fortalecimento das ações sociais do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) na região.

A vereadora Larissa Gaspar (PPL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, afirmou que o titular da Coordenadoria Especial de Articulação das Secretarias Regionais (Coareg), Renato Lima, não forneceu respostas objetivas sobre os critérios considerados na concessão do auxílio financeiro às famílias nem sobre os prazos para o pagamento desses auxílios. “Embora ele não coloque que haja um prazo limite para concessão – enquanto houver família precisando, esse prazo se estende –, precisamos de respostas mais concretas”, pontuou.

Marcela Andrade, da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza (SDHDS), informou que foram entregues 589 cestas básicas, oito kits enxovais e 3.062 refeições às famílias que tiveram suas casas alagadas, durante o período em que estiveram acolhidas provisoriamente no Cuca. “A SDHDS continua a assistência social, trabalhando com o cadastramento das pessoas e orientando como deve ser feito para se conseguir o BPC, cadastro único e documentos que foram perdidos”, destacou.

O engenheiro do Projeto Cocó, Paulo Wagner, disse que a barragem do rio, se devidamente operacionalizada, consegue controlar as cheias. “O que tivemos foram cheias cinquentenárias, ou seja, choveu muito além do que havíamos previsto no projeto. Mesmo assim, com as cheias, a barragem, se devidamente operacionalizada, ela teria amenizado e muito as cheias que aconteceram”, ressaltou.

Texto alternativo

COMPORTAS - Rodrigo Vasconcelos Cavalcante, da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos de Estado do Ceará (Cogerh/CE), propôs, como tentativa de aliviar a situação dos alagamentos, a abertura das comportas conforme orientação da Defesa Civil, uma vez que o órgão é responsável por monitorar as áreas alagadas, mas salientou que a operação é bastante dificil. “Se a barragem estiver em condição de cheia, nós temos até dificuldade de acesso a essas comportas”, considerou.

A advogada Lara de Meneses Costa, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/CE), apontou que houve negligência na abertura de todas as comportas sem cálculo prévio e sugeriu que fosse feita perícia para avaliar a responsabilidade civil da Prefeitura em relação à abertura das comportas. Já o defensor público José Lino Fonteles frisou que a Defensoria se compromete em atender as famílias coletivamente por meio de suas representações, pontuando a necessidade de obter laudo técnico que demonstre que ou a barragem ou a abertura das comportas está causando o problema

Também participaram do debate o major Daniel César Freire Monteiro, representando o Batalhão de Polícia do Meio Ambiente do Ceará (BPMA), e Maria Lopes Saldanha, representando a coordenadoria de Política Comunitária da Fundação Habitacional de Fortaleza (Habitafor). (Texto e fotos: Felipe Araújo, com informações da ASCOM da AL)

Áreas de atuação: Meio ambiente, Moradia