Crises na segurança pública do Ceará tornaram-se cíclicas, alerta Renato

14/01/19 20:16

Diante do sofrimento da população e do clima de medo e instabilidade provocados pela onda de ataques que se desdobra desde o dia 2 de janeiro, o parlamento cearense não pode se furtar a discutir medidas emergenciais, como aquelas aprovadas pela Assembleia Legislativa no último sábado (12) – a partir de mensagens enviadas pelo Executivo. Entretanto, a sucessão de crises na área de segurança pública ao longo dos últimos quatro anos exige que o governador altere sua lógica de gestão, baseada essencialmente na repressão e no confronto, e passe a executar medidas estruturantes para a pasta.

A avaliação é do deputado estadual Renato Roseno (PSOL). Parlamentar de oposição ao governo Camilo Santana (PT), Renato participou da votação do dia 12 e apresentou emendas que garantem direitos, reforçam a prevenção dos crimes e tratam da proteção às vítimas e aos agentes de segurança pública. Para o deputado, é necessário ir além das medidas repressivas que estão sendo adotadas neste momento crítico e a aprovação das propostas é importante para assegurar que as medidas promovam mudanças estruturais na área a médio prazo.

“Precisamos compreender quais são as lições desse momento. As pessoas saem de casa e não sabem se poderão voltar num transporte público, vivem em pânico, estão amordaçadas. É por isso que nós não nos furtamos a debater medidas emergenciais. Porque nós temos responsabilidade com o povo do Ceará”, defende Renato. “Mas nós exigimos que o governo Camilo Santana, nesse seu segundo mandato, altere profundamente a sua lógica”.

SISTEMA PRISIONAL - Atualmente, o Ceará possui um sistema prisional com 13 mil vagas e cerca de 30 mil encarcerados. Desse total, um pouco mais da metade tem menos de 28 anos e apenas 5% estuda. Os que trabalham são apenas 7%. Além disso, 70% dos presos estão lá por criminalidade aquisitiva e 60% deles sequer foram julgados - são presos provisórios. “O Ceará vive hoje sua quarta grave crise de segurança em cinco anos. E o que temos é aquilo que na criminologia é chamado de contra-produtividade. Ou seja, o sistema que deveria sancionar e reinserir a pessoa na sociedade faz é gerar mais reincidência, mais estigmatização e mais encarceramento”, avalia o parlamentar.

Segurança pública, ele defende, não pode ser fruto somente do policiamento ostensivo. É, antes de tudo - e as experiências internacionais confirmam isso -, promoção, prevenção e inteligência. Para isso, seriam necessários planejamento, de médio e longo prazo, pactuação entre os entes da federação, pactuação com a sociedade civil, sobretudo, com as comunidades que estão mais vulneráveis às situações de violência.

“Ao contrário de outras políticas, como saúde, educação e assistência social, por exemplo, que tiveram pactuação federativa, novos marcos, conferências reunindo a sociedade civil; nós não tivemos isso em matéria de segurança pública”, ele afirma. “Apela-se quase sempre ao populismo penal, ao exercício de bravatas, ao reclamo de força, da utilização da força. Estabelece-se assim, quase sempre, em todos os estados, em todo o território nacional, uma lógica de guerra, que, na prática, é uma guerra às periferias urbanas e aos mais pobres”.

Na Assembleia Legisaltiva, Renato é relator do Comitê Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, colegiado que diagnosticou causas e apresentou propostas concretas ao poder público sobre como combater a letalidade infanto-juvenil no Ceará. A partir das histórias dos adolescentes vítimas da violência no Ceará, e de mães, pais, parentes e amigos que sofrem com essas perdas, o comitê identificou as causas de previsibilidade dessas mortes e vem realizando o acompanhamento das recomendações feitas aos gestores públicos para prevenir e reduzir a violência letal contra meninos e meninas de 10 a 19 anos.

PAZ E JUSTIÇA - “Onde é que cresce o poder dos grupos armados? Ele cresce onde consegue recrutar uma parcela importante dos jovens, em especial da juventude negra e pobre das periferias. Esses jovens são recrutadas por ofertas de poder, de pertencimento e de algum dinheiro”, alerta o parlamentar. “O estado brasileiro tinha de ter entendido já há muito tempo que a paz é fruto da justiça. A melhor segurança pública é aquela que chega antes da situação de violência”.

Segundo Renato, no Ceará prevalece hoje – e vem sendo assim nos últimos 30 anos – uma estrutura social produtora de violência e um estado que reduz a sua ação à lógica de confrontação, de força, de enfrentamento. Por isso, a necessidade urgente de um planejamento estratégico que tivesse inteligência, prevenção, promoção e um modelo de policiamento que valorizasse o policiamento comunitário, de proximidade com a população e que não fosse apenas o policiamento ostensivo.

“Continuaremos críticos à ausência de medidas estruturais. Esse plenário viu a AL ser premiada internacionalmente com uma agenda de prevenção”, avisa Renato, referindo-se à recente premiação feita pelo Unicef ao trabalho do Comitê. “Quero, portanto, cobrar do governador Camilo Santana uma nova lógica nesse segundo mandato. Essa é a melhor contribuição que o parlamento pode fazer. Não é ser silente ou leniente. Mas é ser vigilante e exigente”.

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Segurança pública