No dia internacional da menina, um alerta contra a pandemia de homicídios

10/10/25 12:00

Desde 2011, o dia 11 de outubro é definido pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o Dia Internacional da Menina. A data procura reconhecer os direitos dessa parcela da infância e da adolescência e promover o seu empoderamento e a realização de seus direitos fundamentais.

Trazendo a efeméride para o âmbito local, o dia 11 de outubro evidencia a necessidade urgente de discussão sobre a epidemia de homicídios de meninas no Ceará – e também a definição e adoção de estratégias de prevenção por parte do poder público.

Pesquisa desenvolvida pelo Comitê de Prevenção e Combate à Violência (CPCV) da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará revela que a partir de 2010 o número de homicídio de meninas começou a aumentar no Ceará, atingindo um primeiro pico em 2014 e um segundo pico em 2018.

O grupo de pesquisadores vem monitorando a evolução desses indicadores por meio de notas técnicas e relatórios periódicos que buscam compreender a dinâmica que agrava ou reduz esses índices de morte.

Entre 2014 e 2024, 607 meninas de 10 a 19 anos foram mortas no Ceará, sendo 95,5% dos casos tipificados como homicídio doloso e 83,5% cometidos com o uso de arma de fogo. No período, houve redução de 28,6% nas mortes de meninas. Contudo, entre 2023 e 2024, registrou-se aumento de 11,1%.

No caso de Fortaleza, 210 meninas entre 10 e 19 anos foram mortas entre 2014 e 2024, sendo uma redução de 47,4% no período. Desses casos, 98,6% foram homicídios dolosos e 87,1% envolveram arma de fogo.

CAUSAS DA VIOLÊNCIA

A pesquisa “Meninas no Ceará: a trajetória de vida e de vulnerabilidade de adolescentes vítimas de homicídio” se debruçou sobre as trajetórias de 114 meninas entre 10 e 19 anos assassinadas em 2018. A exemplo de pesquisas anteriores desenvolvidas pelo comitê, o objetivo foi compreender as causas de uma violência tão brutal contra essas mulheres, em particular.

O estudo foi realizado entre janeiro de 2022 e abril de 2023. Os pesquisadores observaram que há um componente fundamental de machismo e patriarcalismo no caso das meninas assassinadas, assim como em todas as violências contra mulheres jovens. Ao que se soma também um perfilamento racial, estruturante da nossa sociedade.

"No ano de 2018, nós tivemos um aumento muito significativo do número de adolescentes do sexo feminino que foram mortas vítimas de assassinato", explica o presidente do CPCV, deputado estadual Renato Roseno (Psol).

“Nós desenvolvemos um instrumental de pesquisa judicial, não é comum no Brasil fazer pesquisa com documentos judiciais. Nos interessou identificar quais são os gargalos dos processos de responsabilização".

Entre inquéritos policiais e processos judiciais, foram analisados 86 homicídios de meninas ocorridos em 2018 para se verificar quais foram os encaminhamentos dos casos. Em 2023, cinco anos depois dos homicídios, 39 casos, envolvendo 43 óbitos femininos, ainda estavam na fase de inquérito policial; enquanto outros 20 foram arquivados por falta de provas.

De acordo com o relatório, foram identificados suspeitos do crime em 63,75% dos casos, mas em apenas 27,5% houve o indiciamento. Além disso, o uso de armas de fogo foi constatado em 87,5% dos crimes.

Para Renato, a impunidade gera ainda mais dores aos parentes das vítimas. “As mães dessas meninas relatam que, além da dor do luto, há também a dor da irrelevância. Algumas mães dizem que parece que a vida de seus filhos vale menos", destaca.

PODER PÚBLICO

A pesquisa também mobilizou esforços para a alteração dessa realidade a partir da incidência política e das ações do poder público. Tanto que identificou nove evidências que expunham as meninas à violência e, a partir de cada uma delas, elaborou nove recomendações para a prevenção do problema.

Entre essas recomendações, estão a criação, o fortalecimento e a ampliação de mecanismos para garantia de permanência na escola e ambiente escolar sem conflitos; ampliação da oferta de oportunidades de formação profissional e de inserção no mercado de trabalho formal; e garantia de assistência e proteção às famílias das vítimas de homicídio.

“Para implementação das recomendações, no intuito de proteger a vida de adolescentes e jovens, é necessária a ampliação e execução da previsão orçamentária das políticas públicas dos municípios e do estado, considerando as funções do Executivo, Legislativo e conselhos de defesa de direitos”, aponta a pesquisa.

Segundo os pesquisadores, as instâncias devem considerar a superação das precárias condições de vida das adolescentes em termos estruturais, no que concerne a moradia, saneamento, transporte, urbanização, lazer, mobilidade, direito à cidade, entre outros fatores.

UNESCO Em 19 de dezembro de 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o dia 11 de outubro como o Dia Internacional da Menina, com o objetivo de reconhecer os direitos e os desafios únicos que elas enfrentam em todo o mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o empoderamento das meninas é essencial para fazer avançar a igualdade de gênero.

“Apoiar as meninas, sua formação e sua capacidade plena de fazer com que suas vozes e ideias sejam ouvidas são fatores que impulsionam o desenvolvimento sustentável e a paz”, diz o site oficial da entidade. “Em muitos casos que ocorrem no mundo todo, adolescentes abandonam a escola por causa de casamentos forçados ou do trabalho infantil. A UNESCO tem o compromisso de celebrar este dia para garantir que todas as meninas tenham acesso a uma educação de qualidade e a uma vida digna”. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Marcelo Casal Jr-Agência Brasil)

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Segurança pública