Mesa de diálogo ouviu comunidades impactadas pelos projetos de energias renováveis no Ceará

29/03/24 08:00

“Prometeram 600 empregos, mas destruíram as dunas. Foi o maior prejuízo ambiental e social. Muitos parques eólicos perto da praia estão afetando a lagosta, os peixes”, desabafa Francisco Ivan de Souza, pescador da comunidade de Tatajuba, em Camocim. O relato se deu durante a Mesa de Diálogo - Energia Renovável: direitos e impactos, promovida pela Secretaria Geral da Presidência da República para ouvir as comunidades afetadas pelas renováveis, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos humanos e órgãos governamentais do Ceará.

Os encontros se deram entre os dias 18 e 21 de março, percorrendo os municípios de São Benedito, Camocim, Acaraú, Amontada. Por fim, a comitiva culminou suas atividades em Fortaleza, no Complexo das Comissões da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).

A comitiva de Brasília (DF) veio ao Ceará sob coordenação da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República (SG-PR). Com ela, estiveram representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Ministério da Saúde (MS), Ministério de Minas e Energia (MME), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

O nosso mandato esteve ajudando na articulação das visitas, ao lado do Conselho Pastoral de Pescadores (CPP), do Instituto Terramar, do Escritório Frei Tito de Alencar, da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece), da Cáritas, do Movimento Ibiapabano de Mulheres (MIM), da Articulação Povos de Luta (ARPOLU), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Escola de Formação Política e Cidadania (ESPAF), do Laboratório de Geoprocessamento (LABOCART), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (CONFREM), do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) do EcoMaretório, da Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e do Movimento das Mulheres Negras (MMN).

Transição justa

A iniciativa do Governo Federal se dá frente a crise climática e ambiental e na necessidade de enfretamento às mudanças climáticas. “Mas não podemos trazer a energia certa do jeito errado, impactando os ecossistemas marinhos, afetando a pesca artesanal e causando um prejuízo imenso às centenas de comunidades”, alerta o deputado estadual Renato Roseno (Psol).

A expansão de renováveis e a forma como tem sido implementada com a violação de direitos humanos, intensifica conflitos e ameaça à biodiversidade, agravando injustiças e danos socioambientais, de modo particular aos povos e as comunidades tradicionais. “A visita tem tudo a ver com o que estamos discutindo: uma transição justa e inclusiva. Esse diálogo pode oferecer normativas desse processo”, explica Alexandre Freitas, do Ministério de Minas e Energia.

As atividades da Mesa incluíram visitas de campo, escutas, reuniões junto às populações afetadas e/ou ameaçadas pela implantação de empreendimentos de energias renováveis, como usinas eólicas onshore e offshore, usinas solares, plantas de hidrogênio verde e linhas de transmissão de energia. “Se aceitarmos esse projeto, será o maior desastre ambiental, social e humano”, alerta Ivan, se referindo às eólicas no mar.

Atualmente, há 74 projetos de torres eólicas no mar pré-cadastrados na plataforma do Ibama para todo o país, de acordo com o último mapeamento divulgado pelo órgão, em março do ano passado. A maior parte está no Ceará e no Rio Grande do Sul (22 pedidos para cada estado). “A gente já sofre com a eólica fora do mar, avalie dentro do mar. Como esse povo vai trabalhar e sustentar sua família?”, preocupa-se Beto Pescador, da Reserva Extrativista Canto Verde, em Beberibe.

Texto alternativo

Andrea Camurça, do Instituto Terramar, sugeriu na Mesa de Diálogo a criação de um grupo de trabalho para monitorar os próximos passos, incluindo a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e os territórios. Além disso, alertou que o avanço de empreendimentos na zona costeira tem provocado ameaças às lideranças comunitárias. “Hoje, temos 103 pessoas no programa de proteção de defensores de direitos humanos. Destes, 68 estão envolvidos com o tema terra, território e ambiental e quase 70% desta parcela são da zona costeira, como indígenas, quilombolas”, enumera.

Na sua avaliação, os projetos das eólicas tornou mais complexos os conflitos que já existiam, por isso, é necessário ampliar as defensorias regionais de direitos humanos para garantir a proteção. “A mesa era para estar discutindo os problemas que já existem e já identificar os que virão”, completa Andrea. “A criação de um grupo de trabalho contemplado a sociedade é importante. O fato de escutar é importante, mas queremos que haja continuidade”, corroborou Beto.

Texto alternativo

O secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas, Marcelo Fragozo dos Santos, explicou que tudo aquilo dito durante a Mesa foi documentado e juntado com os relatos de especialistas. “Queremos levar uma voz forte para os espaços de decisão do governo. Transformar os atingidos em sujeitos dessas políticas”, garantiu.

O primeiro retorno das devolutivas da Mesa de Diálogo devem ser entregue em até 30 dias após a visita. O nosso mandato seguirá acompanhando os desdobramentos. “Está dentro da nossa perspectiva de trabalho de que uma democracia fortalecida passa por uma sociedade civil organizada. Um exercício que fortaleça a democracia. Com certeza, as comunidades saem daqui mais fortes, organizadas”, concluiu Marcelo.

Áreas de atuação: Trabalho, Meio ambiente