Ocupação Carlos Marighella: uma trajetória pelo direito à moradia

23/11/20 13:19

"Aqui dentro temos pessoas dignas, mulheres e homens que lutam por moradia. Queremos um olhar humano e sensível sobre nós, quem deseja ficar embaixo de uma lona dessa?". A fala embargada é da dona de casa, Márcia Lopes, 38, uma das moradoras da Ocupação Carlos Marighella, localizada no bairro Mondubim, em Fortaleza.

Márcia compõe uma das 85 famílias que moram na ocupação desde junho de 2020. Localizada na Comunidade do Rato, moradores e moradoras tiveram situação de precariedade aumentada em decorrência da pandemia da Covid-19. Sem renda e sem teto, eles ocuparam o terreno, abandonado há anos, como uma alternativa de sobrevivência.

Se moradia é um privilégio, ocupar é um direito, destaca Branquinho, 35, militante. "Estamos aqui nessa propriedade resistindo. Dentre outras coisas, estamos pedindo que tragam uma solução cabível para nossa situação. O direito à moradia está garantido na Constituição brasileira e existe pra ser regido. Aqui estamos pedindo encarecidamente que as pessoas nos olhem com um olhar de atendimento", reforça.

O direito à moradia é previsto pelo artigo 6 da Constituição Federal Brasileira e considerado um direito fundamental pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde o século XX. "Neste cenário crítico de crise econômica e sanitária, é urgente a mobilização de todos os agentes públicos para garantir o direito à moradia à essas famílias. Inserimos, inclusive, proposta de emenda na Lei Orçamentária do Estado para 2021 que trata da destinação de recursos para viabilizar o reassentamento das famílias da ocupação", destaca o deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da AL, Renato Roseno.

Além da declaração da ONU, o Brasil também integra o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado em 1996. O Pacto diz que os Estados que o assinaram “reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida.”

Mais que teto e quatro paredes, o direito à moradia integra um padrão de vida adequado. Moradores da Ocupação Carlos Marighella enfrentam, ainda, dificuldades em relação ao terreno. "Por ser uma área de brejo, é muito comum ver por aqui muitos mosquitos. Quando chove, piora, porque alaga tudo. Estamos morando praticamente na lama", relata Branquinho.

A manutenção do local é feita de forma conjunta e unida. Mulheres capinam, separam e removem o lixo, cuidam do que é, hoje, sua moradia. "Eu pagava cerca de 350 reais de aluguel, na pandemia eu fui demitida e eu não tinha pra onde ir, de verdade. Os 350 reais que eu tirava cada mês já eram um desfalque muito grande na minha renda. Minha inquilina entendeu e me deu tempo pra sair, mas teve gente que chegou aqui porque foi praticamente expulsa", acrescenta Márcia.

Processo judicial

Após algumas tentativas ilegais de despejo, a empresa que se diz proprietária do terreno ajuizou um processo de Reintegração de Posse corre na justiça. Mesmo sem comprovação do exercício da posse, a empresa conseguiu uma decisão liminar para remover as famílias.

Assessoradas pelo Escritório Frei Tito de Alencar, a comunidade viu a reintegração de posse ser adiada algumas vezes diante da ausência de solução para a demanda de moradia das famílias. Provocados pelo Judiciário, o poder público apresentou uma proposta de inclusão em aluguel social e posterior entrega de apartamentos em um conjunto habitacional. "O conjunto habitacional proposto fica distante da ocupação, fazendo que as pessoas rompam os vínculos construídos ao longo de suas vidas. Por seu lado, a Ocupação, com assessoria do Coletivo Taramela, tem apresentado um projeto muito mais viável econômica e socialmente de construção de unidades habitacionais em regime de autoconstrução", explica a advogada do Escritório Frei Tito, Dillyane Ribeiro.

Ainda, no último dia 12, o desembargador Francisco Mauro Ferreira Liberato, relator da ação, decidiu pela desocupação do terreno até às 8h do dia 11/12/2020, data em que a Habitafor afirmou que incluiria as famílias em aluguel social.

Reunião com Habitafor

Nessa segunda-feira, 23, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado, juntamente com o Escritório Frei Tito, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Secretaria de Cidades, Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) reuniram-se com a Habitafor e representantes da comunidade.

Durante o encontro, ficou definida a necessidade de uma reunião presencial com o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, para solicitar a desapropriação de um terreno ou cessão de um terreno público para a construção em mutirão das casas das famílias da Ocupação. (Foto e texto: Evelyn Barreto)

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Moradia