Cinco anos da Chacina do Curió: a trágica memória de um crime que ainda aguarda por justiça

12/11/20 09:03

A maior chacina da história do Ceará, a chamada “Chacina do Curió”, está completando cinco anos. São cinco anos de um crime brutal que aguarda punição. Cinco anos de espera por justiça por parte das mães e parentes das vítimas. Cinco anos ao longo dos quais a violência contra jovens e adolescentes no Ceará vem revelando a face perversa da indiferença do poder público.

Na madrugada do dia 12 de novembro de 2015, 11 pessoas foram assassinadas e sete ficaram feridas na região da Grande Messejana, em Fortaleza. Tudo aconteceu rápido, num intervalo de menos de seis horas entre a primeira e a última execução. Entre as vítimas, nove eram adolescentes. Todos tiveram suas vidas interrompidas no auge da juventude em decorrência da violência armada. Até hoje, as famílias aguardam a resolução do processo.

"Nesses 5 anos, temos acompanhado esse caso e estive em contato com mães e familiares das vítimas. Essas mulheres são de um exemplo e força gigantesca, todo ano temos nos reunido no ato de clamor, memória e justiça. Elas sofreram o que nenhum ser humano pode sofrer, talvez a maior dor do mundo: a de enterrar um filho. Elas não receberam, sequer, um pedido de desculpas. Perderam seus filhos pela mão do Estado. Até hoje, não viram o julgamento daqueles que tiraram a vida dos seus filhos", destaca o deputado Renato Roseno (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da AL e relator do Comitê de Prevenção e Combate à Violência.

Texto alternativo

A chacina foi tema abordado durante pronunciamento do deputado estadual ainda em seu primeiro mandato, em 2015. Roseno, à época, citou as notícias veiculadas pelos jornais locais sobre a ampliação do prazo para a conclusão do inquérito policial, lembrou que nada justifica as execuções e que os mortos não tinham envolvimento com narcotráfico ou crime organizado nem passagem pela Polícia em situação mais grave. Confira o pronunciamento.

Entenda

A chacina na região da Grande Messejana, na cidade de Fortaleza, Ceará, foi uma série de homicídios ocorridos na madrugada do dia 11 a 12 de novembro de 2015. No total, onze pessoas foram assassinadas e sete ficaram feridas. A região envolve os bairros Messejana, Curió, São Miguel e Lagoa Redonda, localizados na Área Integrada de Segurança 4 (AIS 4). Esta série de crimes foi considerada a maior chacina da história de Fortaleza.

Todas as vítimas assassinadas eram do sexo masculino, além de que nove dos onze indivíduos mortos tinham entre 16 e 19 anos. A polícia estabeleceu três linhas de investigação para averiguar a série de crimes. A primeira seria uma possível retaliação pela morte de um policial militar. Além dessa possibilidade, haveria também mais duas represálias: uma relacionada à morte de um traficante da região, e outra interliga à prisão de um outro traficante da Grande Messejana.

Violência contra adolescentes

De acordo com dados do Comitê, de 2010 a 2020, exatamente 7948 adolescentes foram assassinados. Desse total, 47% se concentra apenas em Fortaleza. Em 2015, ano em que a chacina aconteceu, somente em Fortaleza foram contabilizados 387 assassinatos de jovens e adolescentes; no Ceará, foram registradas 817 mortes.

"Toda morte, de todo ser humano, merece o nosso lamento, a nossa indignação, o nosso repúdio, mas não queremos uma lógica de guerra instalada na nossa cidade; que a nossa Segurança Púbica, as nossas polícias, em especial, sejam instrumentalizadas nessa lógica de guerra, que só produz morte. Nós acabamos por ter, portanto, uma Polícia que morre muito e também que mata muito", reprova o deputado do PSOL.

Além do diagnóstico da violência, o trabalho do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência também procura elaborar recomendações técnicas com a finalidade prevenir os crimes cometidos. Entre as medidas indicadas, estão a ampliação da rede de projetos sociais de prevenção para adolescentes vulneráveis ao homicídio, a prevenção ao experimento precoce de drogas, a promoção de oportunidades de aprendizagem e inclusão no mercado de trabalho formal e a garantia de investigação e responsabilização pelos homicídios.

Depois da “Chacina do Curió”, o Ceará testemunhou outros eventos semelhantes de violência, a exemplo da “Chacina das Cajazeiras”, em 2018, que vitimou 14 pessoas e deixou nove feridas; e, também em 2018, a “Chacina de Palmácia”, na região do Maciço de Baturité, onde cinco pessoas foram assassinadas.

Os assassinatos dos adolescentes deixam ainda vítimas de segundo grau: as mães. São elas as maiores defensoras da justiça por seus filhos, destaca a assessora técnica do Comitê, Danielle Negreiros. "Entendo que as mulheres estão no centro do debate, pois são responsabilizadas e culpabilizadas pelas mortes dos seus filhos e são vítimas em segundo grau, sobreviventes, que devem ser acolhidas em suas necessidades jurídicas, mas em todas as suas demandas psicossociais. O cuidado integral à essas mães é fundamental, porque esse cenário de violência influencia na retomada do ciclo intergeracional de vulnerabilidade, exclusão, pobreza, opressão e subordinação. Então se quisermos efetuar caminhos de reparação e justiça social, precisamos começar por essas mulheres e mães de vítimas de homicídios e feminicídios", reforça.

Semana Cada Vida Importa

A Semana Estadual de Prevenção dos Homicídios na Adolescência é uma iniciativa que lança luz sobre o cenário de violência e morte de jovens e adolescentes no Estado do Ceará. A iniciativa, transformada em lei (14.482/17) pelo mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno, é uma forma de mobilizar a sociedade civil para questionar e pedir providências ao poder público sobre a interrupção do futuro de cada um desses garotos e garotas.

O Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, criado na AL, vem acompanhando a evolução desse cenário ano a ano; e vem propondo também medidas concretas de enfrentamento a essa violência por parte dos gestores públicos. De acordo com Renato Roseno, o Ceará não pode mais carregar esse estigma de estado que vê com indiferença o assassinato de seus jovens. Para o parlamentar, é hora de enfrentar esse enorme desafio do presente como forma de reinventarmos nosso futuro.

"O fenômeno da violência é complexo e merece ser tratado a partir de uma análise transdisciplinar, de maneira que se deve envolver todos os sujeitos sociais que se relacionam com a temática. Não existem soluções simples ou individuais, mas sim diversas medidas que se complementam no enfrentamento aos homicídios de jovens. O projeto de lei que ora apresentamos busca sobretudo sensibilizar a população sobre as elevadas taxas de mortes no Estado do Ceará e formular políticas públicas que enfrentem essa situação. A lei tem como marco o dia 12 de novembro, declarado Dia Estadual de Prevenção aos Homicídios de Jovens. O registro ocorre justamente em memória da “Chacina do Curió”. Desde então, o Ceará continua sendo um dos estados do Brasil em que mais adolescentes são mortos anualmente vítimas de homicídio. Em geral, o perfil desses jovens é caracterizado por alguns marcadores sociais: são majoritariamente homens, negros, pobres e moradores de periferia", destaca Roseno.

"O objetivo principal do comitê é incidir nas políticas públicas na prevenção de homicídios. Por isso, é importante aprofundar bem com rigor técnico, com pesquisas que compreendam como o cenário de violência impacta esses adolescentes. Fazemos monitoramentos, lançamos notas técnicas, relatórios semestrais e dando visibilidade às atividades do Comitê. Mas, principalmente, dar visibilidade às recomendações e ao conceito de prevenção de homicídios", explica o sociólogo Thiago de Holanda, coordenador da equipe técnica do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência.

As mortes se concentram em alguns poucos territórios nas cidades, em especial naqueles mais vulneráveis. Carregar esse estigma é normalizar e ver com indiferença a interrupção da vida da juventude e do futuro. Para conferir os estudos e pesquisas mais recentes do Comitê, acesse o link.

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Adolescência, Justiça