Em 2019, a Holanda suspendeu em 2019 a instalação de novos datacenters em cidades como Amsterdã e Haarlemmermeer. Em 2022, a cidade de Mesa, localizada no árido estado do Arizona, nos Estados Unidos, também impediu a construção de um novo datacenter da empresa Meta (responsável pelo Facebook e pelo Instagram, entre outras redes sociais). Nos dois casos, os motivos alegados pelas gestões municipais foram os mesmos: um empreedimento do tipo consome quantidades absurdas de água e energia e traz forte impacto para o planejamento urbano.
Corta para 2025. Estimulada pela promessa de investimentos por parte do governo do Estado e pela política de desoneração anunciada pelo governo federal, a empresa chinesa ByteDance, dona do aplicativo TikTok, anunciou que pretende instalar em Caucaia, município da região metropolitana de Fortaleza, um grande datacenter. A previsão é que essa toda essa infraestrutura, no início de sua operação, consuma em apenas um dia a mesma quantidade de energia de uma cidade brasileira de 2,2 milhões de pessoas.
Os dados constam no Relatório Ambiental Simplificado (RAS) do projeto - objeto de reportagem do portal The intercept. Mas o cenário pode ser ainda mais complexo. No documento, a empresa Casa dos Ventos, representante da empresa chinesa, afirma que, em pleno funcionamento, o data center vai consumir por dia energia equivalente ao consumo de uma população de 3,2 milhões de pessoas - ou seja, algo maior do que a população de Fortaleza.
É sobre esses números assombrosos que cientistas e ambientalistas estão se debruçando - e cada vez mais denunciando os impactos desse tipo de estrutura pelo mundo. Com a crescente demanda por inteligência artificial, países como o Brasil se tornaram atraentes para as chamadas big techs construírem suas infraestruturas gigantescas de processamento de dados. Para se ter ideia da voracidade dessas empresas, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), esse tipo de instalação já consome aproximadamente 1% de toda a eletricidade gerada no mundo – com a perspectiva de que esse percentual sobre até 2030 com o crescimento vertiginoso das tecnologias como a IA generativa.
E se o consumo de energia dos data centers é extravagante, sua demanda por água é tão alarmante quanto; e vem virando uma pauta urgente na agenda de debates dos movimentos ambientalistas.Isso porque a água é fundamental para os sistemas de resfriamento dessse tipo de empreendimento, que precisam controlar o aquecimento dos seus servidores.
“Um data center típico pode consumir entre 3 a 5 milhões de litros de água por dia, o equivalente ao consumo diário de uma cidade de 30.000 habitantes”, alerta Roberto Mendes, engenheiro especialista em eficiência hídrica, em entrevista ao portal EcoDebatte. “Em regiões que já enfrentam estresse hídrico, isso pode agravar significativamente a escassez de água potável.”
Em geral, as empresas usam o argumento da recirculação da água em seus sistemas como forma de, supostamente, atenuar o impacto hídrico dessas mega-estruturas. A questão é que esse tipo de reutilização possui limitações críticas que a tornam um atenuante insuficiente. Sobretudo, em função da degradação da qualidade da água que é utilizada. Seja pela contaminação progressiva, ou seja, a água recirculada acumula sais, minerais e contaminantes a cada ciclo; seja pela necessidade de tratamento intensivo (essa água vai requerer a utilização de produtos químicos e energia adicional para purificação).
Na contramão dos alertas dos pesquisadores da área e mesmo da experiência de outros países, tanto o governo do estado quanto o governo federal seguem cortejando empreendimentos de data center. Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou a intenção do governo de acelerar a desoneração de bens de capital, máquinas e equipamentos usados na instalação e no funcionamento dos data centers. Em conferência no Instituto Milken, Haddad afirmou que o governo pretende antecipar os efeitos da reforma tributária para o setor, inaugurando o que seria o Plano Nacional de Data Centers (Redata).
A meta do governo federal é atrair R$ 2 trilhões em investimentos no país na próxima década.“A antecipação vai garantir que todo o investimento no Brasil no setor seja desonerado e toda a exportação de serviços a partir dos data centers seja desonerada”, declarou o ministro, que também vem se mostrando otimista com a articulação no Congresso Nacional pela instalação do novo Marco Legal dos Data Centers.
"É irônico que datacenters, infraestrutura fundamental para empresas que promovem ESG (Environmental, Social and Governance), estejam contribuindo para crises ambientais. Empresas de tecnologia frequentemente anunciam metas de carbono zero, mas negligenciam seu impacto hídrico", escsreve o jornalista Vladimir Nunan em artigo para o portal Eduvem. De acordo com Nunan, a pesquisa “Thirsty for data”, de 2023, realizada pela Northwestern University (EUA), aponta que o impacto hídrico da inteligência artificial aumentará até 30% em cinco anos se nada for feito para mitigar o uso de água.
"O paradoxo é evidente: usamos IA para prever mudanças climáticas, mas o treinamento desses modelos exige milhares de litros de água", alerta. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Tomaz Silva - Agência Brasil)