Agrotóxicos: live comemora os dois anos da proibição da pulverização aérea no CE

20/01/21 20:00

“Foi a partir do assassinato do meu pai que percebemos que ele, Zé Maria do Tomé, tinha uma família bem maior por trás e que, até então, não conhecíamos. Hoje não falamos em movimentos X ou Y, mas da família do Zé Maria do Tomé”. A fala saudosa é da filha do líder comunitário, Márcia Xavier, durante live realizada na última segunda-feira, 18, no Instagram do deputado estadual Renato Roseno (PSOL). A transmissão teve como temática principal os dois anos da Lei Zé Maria do Tomé, proposta pelo parlamentar, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos nas plantações do Ceará.

"Essa é uma forma de manter viva a luta do Zé Maria. Ele foi um grande lutador que pagou com sua vida por tentar proteger a sociedade em que vivia e o meio ambiente", defende o deputado. "Seu legado e sua memória permanecem através dos homens e mulheres que lutam pela terra e pela água; através do trabalho feito no acampamento que leva seu nome em Limoeiro do Norte; na esperança de todos e todas nós por um estado com menos veneno no campo e mais justiça social", reforçou o parlamentar.

Além de Márcia, Raquel Rigotto, professora da Universidade Federal do Ceará, e Gene Sousa, da direção nacional do MST, foram os outros dois convidados da live. Coordenadora do Núcleo Tramas, grupo interdisciplinar de estudos em Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, Raquel abordou os aspectos científicos do uso de agrotóxicos, principalmente no que diz respeito aos impactos na população.

“Hoje, estamos vendo os resultados que o próprio Zé Maria já anunciava: em 10 anos, acompanharemos casos de comunidades assoladas por casos de câncer, em decorrência do uso de agrotóxicos. Não precisamos esperar 10 anos”, alertou a professora. “Hoje, não temos dúvidas de que casos tão graves, como de má formação congênita, foram causados pelos agrotóxicos. Para nós, a existência da lei 16.820/19 é um alento, uma vitória. Estava pensando, como poderíamos fazer uma estimativa de quantas vidas foram poupadas por essa lei? Quantos adoecimentos foram poupados?”, questionou.

De acordo com os dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), quase 20% do agrotóxico manejado através do método de pulverização aérea é dispersado para áreas fora da região de aplicação. Outros 50% são retidos pelo solo e apenas 32% alcançam efetivamente as plantas da área de aplicação. Essas e outras estatísticas ajudam a entender o impacto deletério da utilização desse método sobre a saúde pública e o meio ambiente.

O Movimento dos Sem-Terra (MST) foi um dos grupos que mais contribuiu para dar publicidade ao desafio da transição agroecológica e da necessidade de produção de alimentos saudáveis. “Nós temos a compreensão de que é um dever nosso, enquanto movimento social, fazer a defesa desta importante lei para o Ceará e para o Brasil. A luta pela reforma agrária se coloca cada vez mais como algo importante a ser discutido. O mundo enfrenta uma grave crise alimentar, onde temos a compreensão de que a reforma agrária camponesa é uma saída em dimensão mundial”, destacou Gene Sousa.

Segundo Renato, a luta de Zé Maria permanece nas memórias e trajetórias dos defensores do meio ambiente. “O Zé Maria virou semente. É uma dor irreparável, mas ao mesmo tempo, uma dor que virou uma luta muito grande. Uma luta pela reforma agrária, pela distribuição da água e da terra, e pelo respeito à natureza. Zé Maria foi um exemplo e é por isso que a lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos guarda seu nome como uma forma de homenagem”, reforça Roseno.

Semana Zé Maria do Tomé

Apresentada pelo deputado estadual Renato Roseno (PSOL), a lei 17.122/19 é também outro reconhecimento ao líder comunitário: o texto institui a Semana Zé Maria do Tomé no calendário oficial de eventos do Estado.

A ideia da proposta apresentada por Renato é celebrar a memória de Zé Maria e reafirmar sua luta em defesa da agroecologia e contra os agrotóxicos. De acordo com a lei, o poder público deverá promover em espaços e instituições públicas estaduais - e também em parceria com municípios e entidades da sociedade civil - o debate de temáticas que envolvam o direito à justiça socioambiental.

Memória

Em 21 de abril de 2000, Zé Maria foi morto com cerca de 20 tiros, próximo a sua residência, na comunidade de Tomé, em Limoeiro do Norte. À época, ele era um destacado ativista na luta contra a pulverização aérea de pesticidas na Chapada do Apodi. Essa atividade, promovida por grandes empresas do agronegócio, causa a contaminação da água, das plantações e do solo, além de provocar diversas doenças nos trabalhadores das empresas e nos moradores da região. As denúncias de Zé Maria eram embasadas em inúmeras pesquisas acadêmicas e recomendações do Ministério Público (Estadual, Federal e Trabalhista). (Texto e foto: Evelyn Barreto)

Áreas de atuação: Agrotóxicos, Meio ambiente, Agricultura