Centros para adolescentes são piores que unidades prisionais: situação vexatória para Governo do Ceará

05/11/15 14:13

Escombros na parte interna de uma unidade do Sistema Socioeducativo

“O nosso sistema socioeducativo nunca foi tão ruim como atualmente, e ele só piora, promovendo a violação de direitos humanitários básicos, com registros de superlotação. Todos estes problemas só impulsionam uma dinâmica de violência entre os jovens”, afirmou o deputado Renato Roseno (PSOL), nesta quinta-feira, 5 de novembro, repercutindo no plenário da Assembleia Legislativa a visita feita ao Ceará pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para averiguar o colapso em que se encontram as unidades do Sistema Socioeducativo do Estado, referindo-se às unidades que internam adolescentes autores de atos infracionais..

A equipe que veio ao Ceará era formada por Rodrigo Torres, presidente do Conanda; Djalma Costa, representante da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) no Conanda; Aurélio Virgílio Rios, subprocurador geral da República e procurador federal dos Direitos do Cidadão, representante do CNDH; e Silvana Abramo, desembargadora, que representa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no CNDH. “Eu não queria ver o que eu vi hoje. Já virou lugar-comum falar da falência do socioeducativo, da incapacidade do estado em administrá-lo. O que se vê lá é um nome eufêmico para prisão – aqueles meninos estão enjaulados, e isso era tudo o que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) não queria”, declarou Aurélio Virgílio Rios, em audiência pública realizada nessa quarta-feira (4), após visita a centros de medidas socioeducativas de Fortaleza.

O grupo constatou o que há muito tempo denunciam o deputado Renato Roseno e os movimento sociais, como o Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). “Eu não consigo admitir que o Estado não consiga lidar com 900, 1000 adolescentes. É inadmissível que a vice-governadora e o secretário (do Trabalho e Desenvolvimento Social) digam que não têm o que fazer. Violência se combate com inteligência”, questionou Aurilene Vidal, do Fórum DCA.

Atualmente, há 590 vagas nas unidades do Sistema Socioeducativo na capital, mas o total de adolescentes internados chega a 923. Em muitas unidades, eles não têm direito a banho de sol, água potável para beber, opções de lazer, colchões para dormir, ensino regular, mesmo estando em espaços chamados de centros educacionais - em vários centros, as salas de aula são usadas como dormitórios, em função da superlotação. Além dos problemas estruturais, alguns internos apresentam hematomas e feridas, indícios da truculência com que são tratados. "São unidades piores que as penais. Esse cenário revela uma situação vexatória para o Governo e para o Estado do Ceará. Temos que receber uma visita institucional de instâncias nacionais porque nós não conseguimos melhorar o sistema socioeducativo - ao contrário, ele piorou", observou o parlamentar do PSOL.

Da tribuna, Renato Roseno fez questão de reproduzir textualmente as impressões dos conselheiros, após visita às unidades e audiência pública na Assembleia Legislativa, nessa quarta-feira, 4 de novembro. "Palavras dos nossos visitantes: “O que ali está é inadmissível. O Estado do Ceará está reprovado no quesito cumprir a lei do o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)". E o que isso tem a ver com o estado geral de violência? As pessoas colhem o que plantam: se eu planto violência institucional, cometo tortura de forma massiva. O que eu espero mais? Se eu oferto violência, ela é devolvida. Temos ali nas unidades um barril de pólvora", definiu o deputado.

"Dados de ontem: havia unidades com 60 vagas e com 215 adolescentes, celas em que eles não saíam para banho de sol há mais de um mês. O que isso produz? Ódio, loucura e violência. E isso resulta em morte e em mais assassinato, é uma trajetória do matar e do morrer. Quando o Estado se afasta do cumprimento do direito básico, ele institui o regime de violência. O Governo do Ceará tem sido incapaz de garantir direitos. Várias entidades já solicitaram a decretação do estado de emergência. Queremos que o governador Camilo Santana inclua a resolução desta crise no sistema socioeducativo na agenda de prioridades do Estado. Esse atual modelo de gestão da área não está dando mais conta”, concluiu Renato Roseno.

A decretação da situação de emergência no Sistema Socioeducativo do Ceará foi uma das reivindicações da audiência: “O Estado não tem, hoje, capacidade de gestão do sistema. O governo perdeu essa capacidade e, por isso, é fundamental reconhecer o estado de emergência”, afirmou Renato Roseno. Além disso, foram sugeridas a garantia do ensino regular aos adolescentes internados, o maior acompanhamento do Governo Federal no monitoramento das políticas públicas para a socioeducação, a criação de um mecanismo de combate à tortura e a apuração dos casos nos centros, além da garantia de cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) que, para o defensor do Núcleo de Atendimento da Infância e Juventude, da Defensoria Pública do Estado, Alfredo Homsi, “no Ceará é um mito, uma ficção”.

Um relatório sobre a situação do Sistema Socioeducativo do Ceará será elaborado pelos conselheiros e enviado ao Governo do Estado. A estimativa do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Ceará) é que, entre 2014 e 2015, tenham acontecido mais de 50 rebeliões nas unidades do Estado e fuga de mais de 250 adolescentes. As principais causas apontadas são superlotação, supostas sessões de tortura e problemas estruturais. O Comitê Estadual de Combate à Tortura também esteve presente na audiência pública na Assembleia Legislativa para discutir a questão, iniciativa conjunta do deputado Renato Roseno e do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca).

Na primeira audiência pública realizada este ano no Legislativo estadual sobre o Sistema Socioeducativo do Ceará, no dia 17 de março, também a pedido do deputado estadual Renato Roseno, o presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e representante da Pastoral Carcerária, Sérgio Silva, ratificou ter escutado dos próprios adolescentes em situação de internação as denúncias de tortura. Já na ocasião, ele havia proposto que a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), do Governo do Estado, criasse uma comissão para escuta constante dos adolescentes, em curto, médio e longo prazos.

Sistema Socioeducativo: iniciativas do mandato

O deputado Renato Roseno já usou a tribuna da Assembleia Legislativa para falar dos problemas do Sistema Socioeducativo, visitou unidades de atendimento e aprovou requerimentos nas comissões técnicas.

Março

Realização de audiência pública, proposta pelo deputado e transcorrida no dia 17 de março, para tratar sobre as violações de direitos humanos e problemas no Sistema Socioeducativo do Ceará.

Durante a audiência, a representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Ceará, juíza Maria das Graças Quental, definiu como chocante e estarrecedora a situação das unidades que mantêm sob privação de liberdade os adolescentes que cometeram atos infracionais. “Estou altamente frustrada, porque nada muda. Todo mundo sabe (dos problemas) e passa a responsabilidade para o outro”, afirmou, depois de observar que, desde 2009, vistoria presídios e delegacias. “Tudo acontece com o aval da Justiça, do Executivo e do Legislativo”, acrescentou.

Nas unidades de atendimento socioeducativo, ela identificou o despreparo de diretores, seja revelando o pavor de circular pelas instalações ou o desconhecimento do número exato de adolescentes apreendidos. Em um dos centros de ressocialização, havia cerca de 270, enquanto a capacidade era para apenas 60. “Isso é tortura, e é contra nossa juventude, com o nosso Brasil futuro”, reconheceu.

Julho

O deputado reuniu as assinaturas necessárias para constituir a Comissão Especial sobre o Sistema Socioeducativo no Estado do Ceará e protocolou o requerimento no dia 8 de julho.

A Comissão Especial é um instrumento de que dispõe o Poder Legislativo para intervir no debate público sobre o Sistema Socioeducativo no Ceará de forma atenta e qualificada. Trabalhando para o melhor cumprimento das medidas socioeducativas, os parlamentares da comissão estarão atuando na proteção e garantia da dignidade dos adolescentes em conflito com lei durante o período de responsabilização, como também resguardando a sociedade no enfrentamento aos conflitos e à violência.

A proposta de criação de uma comissão especial tem como objetivo analisar, compreender e sistematizar a situação da aplicação das medidas socioeducativas no Ceará, em meio fechado e aberto, além de sensibilizar os atores públicos para o cumprimento adequado das medidas como forma eficaz enfrentamento aos circuitos de violência em que se envolvem adolescentes e jovens.

Setembro

Parlamentares, entre eles o deputado estadual Renato Roseno, e organizações de defesa dos direitos das crianças e adolescentes estiveram em Brasília para apresentar as denúncias sobre a situação de caos nos centros de internação do Ceará, os casos de tortura em adolescentes sob privação de liberdade e a omissão do Governo do Estado.

Outubro

Renato Roseno pressionou no dia 21 de outubro o governador Camilo Santana por decretação de estado de emergência no Sistema Socioeducativo do Ceará. “Repito as palavras do juiz: colapso era o que havia, caos era o que havia. O que temos hoje não tem nem nome”, foi o que denunciou o deputado estadual em pronunciamento na Assembleia Legislativa do Ceará, referindo-se ao juiz da 5ª Vara da Infância e da Juventude, Manuel Clístenes de Façanha.

Conselho Nacional de Direitos Humanos determinou visita às unidades de internação no Ceará, para analisar as denúncias e conhecer de perto as condições dessas unidades.

Novembro

Conselho Nacional de Direitos Humanos visita no dia 4 de novembro unidades de internação no Ceará, para analisar as denúncias e conhecer de perto as condições dessas unidades.

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Adolescência, Justiça, Segurança pública, Sistema socioeducativo