Comissão Interamericana de Direitos Humanos impõe medida ao Brasil por violações a adolescentes no Ceará

22/01/16 21:00

Adolescentes atrás de grades em unidade do Sistema Socioeducativo do Ceará

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), principal instância da Organização dos Estados Americanos (OEA), impôs medida cautelar ao Brasil por violações no Sistema Socioeducativo do Ceará, onde adolescentes acusados de atos infracionais ficam privados de liberdade. A Comissão notificou oficialmente o governo brasileiro, concedendo as medidas cautelares pedidas pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - Fórum DCA e Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará - Cedeca-Ceará.

A denúncia de gravíssimas e recorrentes violações de direitos no Sistema Socioeducativo foi encaminhada em março de 2015 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. "A denúncia à Comissão decorre de um contexto de crise sem precedentes no sistema, agravado nos últimos meses de 2015, com episódios continuados de violência que chegaram a resultar na morte de um adolescente em 6 de novembro, atos de torturas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; isolamento prolongado e até supostos abusos sexuais; em fugas de grandes proporções e destruição de Unidades de Internação", aponta o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará.

O Estado brasileiro deve adotar as medidas cautelares imediatamente e, em até 15 dias a contar da data do recebimento do comunicado, informar o seu cumprimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A intervenção do Sistema Interamericano em um Estado representa, além das possibilidades diversas de sanção, sobretudo a constatação pública e em âmbito internacional, de práticas violadoras de direitos humanos, seja por ação ou omissão desse Estado. De acordo com o regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o mecanismo de medidas cautelares é utilizado em situações de gravidade ou urgência e a decisão pela medida se dá, unicamente, a partir da análise de situações que possam significar um dano irreparável às pessoas.

No documento, referente à Resolução n°71/2015, a Comissão decide que o governo brasileiro:

a) Adote as medidas necessárias para salvaguardar a vida e a integridade pessoal dos adolescentes detidos no Centro Educacional São Miguel, no Centro Educacional Dom Bosco e no Centro Educacional Patativa do Assaré do estado do Ceará, e aqueles transferidos provisoriamente ao Presídio Militar de Aquiraz, de acordo com as normas internacionais e à luz do interesse superior da criança;

b) Forneça condições adequadas em termos de infraestrutura e pessoal suficiente e idôneo, bem como nos aspectos relativos a higiene, alimentação, saúde, educação e tratamento médico, que garantam a proteção da integridade pessoal e da vida dos adolescentes;

c) Assegure a implementação de programas e atividades idôneas e adaptadas aos adolescentes para garantir o seu bem-estar e a sua integridade física, psíquica e moral, de acordo com as normas estabelecidas pelo direito internacional dos direitos humanos para adolescentes privados de liberdade;

d) Implemente medidas idôneas que garantam as condições de segurança nos centros de detenção em que se encontram os adolescentes beneficiários destas medidas cautelares, seguindo as normas internacionais de direitos humanos e resguardando a vida e a integridade pessoal de todos os adolescentes;

e) Execute ações imediatas para reduzir substancialmente o número de detidos nessas unidades e evitar as condições de superlotação e o uso de celas de isolamento no interior das unidades;

f) Coordene as medidas a serem adotadas com os beneficiários e os seus representantes; e

g) Informe sobre ações adotadas com vistas à investigação dos supostos fatos que levaram à adoção desta medida cautelar e assim evitar a sua repetição. Em abril e agosto, a Comissão notificou o Estado a dar informações sobre o caso. Nas duas ocasiões o governo solicitou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma prorrogação de prazo. Em abril, julho, setembro e outubro, as organizações peticionarias enviaram atualizações para a Comissão.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Criada em 1959, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é o órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) que, juntamente com a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), compõe o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH). Com atribuições sancionatórias, o Sistema Interamericano tem atribuições de promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que entrou em vigor em 1978 e foi ratificada por 24 países, dentre estes o Brasil, define os direitos humanos que os Estados ratificantes se comprometem internacionalmente a respeitar e dar garantias para que sejam respeitados. A Convenção, além de criar a Corte Interamericana de Direitos Humanos (de 1979), define atribuições e procedimentos adicionais para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Intervenções do Sistema Interamericano

Esta será a terceira intervenção do Sistema Interamericano apenas no Estado do Ceará. Em 2006, no caso Damião Ximenes, torturado e assassinado no dia 04 de outubro de 1999, quando estava internado na Casa de Repouso Guararapes, filiada à época ao Sistema Único de Saúde, no município de Sobral/CE. Era portador de transtorno mental – com sintomas de esquizofrenia.

A Corte deliberou o pagamento de uma indenização, como forma de reparar o sofrimento da família; uma investigação completa e imparcial dos fatos e a adoção de políticas públicas efetivas na área de saúde mental. O caso Damião Ximenes foi o primeiro contra o Brasil a tramitar na Corte Interamericana, tornando-se referência para a proteção dos direitos humanos no Brasil.

Já em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro por omissão, negligência e tolerância no caso Maria da Penha. Em 1983, a biofarmacêutica, sofreu dupla tentativa de homicídio por parte de seu então marido dentro de sua casa, em Fortaleza-CE. Passados mais de 15 anos do crime, apesar de haver duas condenações pelo Tribunal do Júri do Ceará (1991 e 1996), ainda não havia decisão definitiva no processo e o agressor permanecia em liberdade.

A expectativa dos peticionários é que, como nos casos de Damião Ximenes – que foi referência para a reformulação de políticas de saúde mental e para a construção da reforma psiquiátrica – e Maria da Penha – que desencadeou a aprovação de uma legislação específica para mulheres em situação de violência doméstica -, a intervenção do Sistema Interamericano aponte uma alteração estrutural no sistema socioeducativo cearense.

Para ler o comunicado da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, clique aqui. Para ver o resumo da decisão, clique aqui. Para ler mais sobre o assunto, clique aqui e clique aqui.

Mandato: repercussão e iniciativas

O deputado estadual Renato Roseno (PSOL) repercutiu a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao participar de debate na Universidade Estadual do Ceará (Uece) nesta sexta-feira. O parlamentar foi um dos convidados para o debate sobre a crise do Sistema Socioeducativo em meio fechado, no Auditório Central da Uece, no Campus do Itaperi, uma atividade promovida pelos alunos do curso de Serviço Social.

Desde o início do mandato, o deputado Renato Roseno já usou a tribuna da Assembleia Legislativa diversas vezes para falar dos problemas do Sistema Socioeducativo, visitou unidades de atendimento e aprovou requerimentos nas comissões técnicas.

Março

Realização de audiência pública, proposta pelo deputado e transcorrida no dia 17 de março, para tratar sobre as violações de direitos humanos e problemas no Sistema Socioeducativo do Ceará.

Durante a audiência, a representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Ceará, juíza Maria das Graças Quental, definiu como chocante e estarrecedora a situação das unidades que mantêm sob privação de liberdade os adolescentes que cometeram atos infracionais. “Estou altamente frustrada, porque nada muda. Todo mundo sabe (dos problemas) e passa a responsabilidade para o outro”, afirmou, depois de observar que, desde 2009, vistoria presídios e delegacias. “Tudo acontece com o aval da Justiça, do Executivo e do Legislativo”, acrescentou.

Nas unidades de atendimento socioeducativo, ela identificou o despreparo de diretores, seja revelando o pavor de circular pelas instalações ou o desconhecimento do número exato de adolescentes apreendidos. Em um dos centros de ressocialização, havia cerca de 270, enquanto a capacidade era para apenas 60. “Isso é tortura, e é contra nossa juventude, com o nosso Brasil futuro”, reconheceu.

Julho

O deputado reuniu as assinaturas necessárias para constituir a Comissão Especial sobre o Sistema Socioeducativo no Estado do Ceará e protocolou o requerimento no dia 8 de julho.

A Comissão Especial é um instrumento de que dispõe o Poder Legislativo para intervir no debate público sobre o Sistema Socioeducativo no Ceará de forma atenta e qualificada. Trabalhando para o melhor cumprimento das medidas socioeducativas, os parlamentares da comissão estarão atuando na proteção e garantia da dignidade dos adolescentes em conflito com lei durante o período de responsabilização, como também resguardando a sociedade no enfrentamento aos conflitos e à violência.

A proposta de criação de uma comissão especial tem como objetivo analisar, compreender e sistematizar a situação da aplicação das medidas socioeducativas no Ceará, em meio fechado e aberto, além de sensibilizar os atores públicos para o cumprimento adequado das medidas como forma eficaz enfrentamento aos circuitos de violência em que se envolvem adolescentes e jovens.

Setembro

Parlamentares, entre eles o deputado estadual Renato Roseno, e organizações de defesa dos direitos das crianças e adolescentes estiveram em Brasília para apresentar as denúncias sobre a situação de caos nos centros de internação do Ceará, os casos de tortura em adolescentes sob privação de liberdade e a omissão do Governo do Estado.

Outubro

Renato Roseno pressionou no dia 21 de outubro o governador Camilo Santana por decretação de estado de emergência no Sistema Socioeducativo do Ceará. “Repito as palavras do juiz: colapso era o que havia, caos era o que havia. O que temos hoje não tem nem nome”, foi o que denunciou o deputado estadual em pronunciamento na Assembleia Legislativa do Ceará, referindo-se ao juiz da 5ª Vara da Infância e da Juventude, Manuel Clístenes de Façanha.

Conselho Nacional de Direitos Humanos determinou visita às unidades de internação no Ceará, para analisar as denúncias e conhecer de perto as condições dessas unidades.

Novembro

Conselho Nacional de Direitos Humanos visita no dia 4 de novembro unidades de internação no Ceará, para analisar as denúncias e conhecer de perto as condições dessas unidades. No mesmo dia, nova audiência pública para debater a situação caótica do Sistema Socioeducativo foi realizada na Assembleia Legislativa do Ceará, uma iniciativa conjunta do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca) e do mandato do deputado estadual Renato Roseno (PSOL).

Dois dias depois, uma nova rebelião aconteceu nos Centros Educacionais São Francisco e São Miguel, com muita destruição e dois adolescentes feridos à bala, sendo que um deles não resistiu aos ferimentos e morreu no Instituto José Frota (IJF) ainda no mesmo dia, 6 de novembro. "Encontro-me agora nos Centros Educacionais São Francisco e São Miguel. Tudo destruído no São Francisco. As duas unidades têm capacidade de 60 vagas cada uma. Havia 350 internos", descreveu o deputado Renato Roseno, que se deslocou até as unidades, no bairro Passaré, em Fortaleza, logo que soube da rebelião. Além do parlamentar, também se dirigiram aos locais membros do sistema de justiça, segurança pública e entidades.

O parlamentar voltou a cobrar respostas urgentes e efetivas do Governo do Estado. "É o caos. O Governo do Estado vem sendo avisado há anos. Essas unidades não são, nem de longe, socioeducativas. São piores que as unidades do sistema carcerário. Em unidades com 60 vagas, já foram internadas até 200 pessoas. O Governo do Ceará ficou seis anos com recursos financeiros em caixa, oriundos de convênio com o Governo Federal, para construir três novas unidades e não o fez no tempo devido", denunciou o parlamentar, que tem pedido ao governador que decrete situação de emergência. "A Secretaria Estadual (do Trabalho e Desenvolvimento Social) está sendo incapaz de dar conta do estado de rebelião. O sistema de justiça, a sociedade civil e parlamentares fizeram todos os alertas, pedidos de providências...".

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Adolescência, Justiça, Segurança pública, Sistema socioeducativo