Raquel Rigotto: agrotóxicos podem ser responsáveis por cânceres e alterações neurocomportamentais

14/01/16 11:00

Agricultor pulveriza agrotóxico em plantação em Limoeiro do Norte

O uso intensivo de agrotóxicos no Ceará foi tema de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado, no dia 24 de abril de 2015, por iniciativa do deputado estadual Renato Roseno. O parlamentar do PSOL é autor do projeto de lei para proibir no território cearense a pulverização aérea com uso de agrotóxicos, fonte poluidora do solo, do ar e das águas.

Em plenário e nas comissões técnicas do Legislativo estadual, o deputado tem denunciado o incentivo governamental para a utilização de agrotóxicos e os impactos sobre a saúde com a exposição prolongada ao veneno. Os riscos à saúde são apontados também pela professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Rigotto.

Coordenadora na UFC do Núcleo Tramas - Trabalho, Ambiente e Saúde e membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Raquel Rigotto publicou no jornal O Povo, nesta quinta-feira, 14 de janeiro, o artigo "Comer alimentos com agrotóxicos é seguro?" É uma resposta a outro texto publicado no mesmo jornal, escrito por um pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), intitulado "Defensivos agrícolas: aliados para produção de alimentos seguros".

As respostas ao pesquisador da Embrapa e à pergunta-título do próprio artigo, Raquel Rigotto dá ao longo do texto, onde conclui: "O consumo de alimentos contaminados com agrotóxicos pode ser responsável por diversos cânceres – leucemias, linfomas, de pulmão, estômago, melanoma, próstata, cérebro, testículos e sarcomas. E mais: alterações neurocomportamentais, asma, hepatopatias tóxicas, infertilidade masculina, abortamento, malformações congênitas, além de desregulação endócrina e imunogenética".

Comer alimentos com agrotóxicos é seguro?

O Povo publicou, em 12 de janeiro, artigo de pesquisador da Embrapa "Defensivos agrícolas: aliados para produção de alimentos seguros". Pelo menos cinco equívocos devem ser esclarecidos, por suas repercussões para a saúde:

1 - A legislação brasileira define o termo agrotóxicos, e não “defensivos agrícolas”, no intuito de deixar claro seu potencial biocida e tóxico.

2 - Não é possível o “uso correto” dos agrotóxicos: como implantar ações neste sentido junto às 16.567.544 pessoas ocupadas no setor agrícola? Agricultores familiares não têm acesso adequado à assistência técnica pública nem podem investir em instalações e equipamentos adequados para armazenamento, higienização e destinação das embalagens. Nas grandes empresas, a escala de uso de agrotóxicos é muito elevada e nem sempre “as boas práticas” são respeitadas. Os EPI podem ter efeito contrário e aumentar a exposição dos trabalhadores ao risco. E ainda: no Ceará não há Unidade de Processamento de Embalagens de agrotóxicos.

3 - O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos é uma iniciativa importante da Anvisa. Mas o Limite Máximo de Resíduos (LMR) não garante o consumo de alimentos sem risco à saúde. Por quê? A a avaliação de risco é baseada em estudos toxicológicos com animais de laboratório ou in vitro, extrapolando os resultados para a saúde humana; os estudos avaliam em separado cada ingrediente ativo (IA), desconsiderando os efeitos à saúde nas condições de múltipla exposição – que é o mais frequente na prática – e suas possíveis interações; dos 527 ingredientes ativos registrados no Brasil, a Anvisa tem analisado apenas 235, excluindo até o glifosato, que responde por mais de 45% do consumo e que é provável cancerígeno.

4 - Embora o receituário agronômico seja medida importante, raramente a sua ausência impede a compra de venenos: experimente numa loja!

5 - O consumo de alimentos contaminados com agrotóxicos pode ser responsável por diversos cânceres – leucemias, linfomas, de pulmão, estômago, melanoma, próstata, cérebro, testículos e sarcomas. E mais: alterações neurocomportamentais, asma, hepatopatias tóxicas, infertilidade masculina, abortamento, malformações congênitas, além de desregulação endócrina e imunogenética.

Há, entretanto, duas razões fortes para defender o uso de agrotóxicos: para a indústria química, garantir um mercado que, no Brasil, supera os 11 bilhões de dólares; para os produtores de commodities agrícolas, aumentar a produtividade e engordar seus lucros. Você oferece sua saúde para ajudá-los nesses propósitos?

Áreas de atuação: Saúde, Agrotóxicos, Meio ambiente, Recursos hídricos, Agricultura